Checkpoint é uma coluna quinzenal onde é debatido aspectos relevantes dos jogos. Esta quinzena temos o jogo Manor Lords e a polêmica da figura do Solo Dev.
A coluna desta semana pretende debater sobre um fenômeno que surgiu nos últimos anos e está tomando um caminho nada interessante se considerarmos o que realmente significa ser um Solo Dev na área de jogos.
A ideia de escrever esta matéria surgiu de uma polêmica que ocorreu há algum tempo. O jogo Manor Lords ficou bastante famoso após ser lançado em acesso antecipado no Xbox Game Pass e o grande destaque era que o jogo de estratégia de construção de cidades foi produzido por somente um desenvolvedor, Greg Styczeń. Inclusive esta informação estava exposta no site do jogo da seguinte forma: “Criado manualmente por um desenvolvedor solo”.
Solo Dev e a treta de Manor Lords
A concepção de Solo Dev surge após algumas situações únicas acontecerem no mercado de jogos. A primeira delas é o surgimento de Undertale. O jogo de Toby Fox foi um sucesso estrondoso: o indie conquistou o coração de vários jogadores e reforçou a ideia de que jogos incríveis podem ser produzidos por somente uma pessoa, outros jogos como Stardew Valley produzido por Eric Barone e Touhou Project feito por Zun também se encaixam nesta categoria.
Manor Lords impressiona pela qualidade gráfica, profundidade da jogabilidade e outros aspectos muito bem trabalhados que parecem ser quase impossíveis de serem feitos por somente uma pessoa. A partir deste ponto surgiu uma treta entre o desenvolvedor de Manor Lords e o CEO da Crate Entertainment, Arthur Bruno, responsável por Grim Dawn e outro jogo de gerenciamento de cidades chamado Farthest Frontier. A discussão ocorreu com Bruno acusando que era uma mentira que Manor Lords foi feito somente por uma pessoa, Styczeń rebateu apontando que a produção de seu jogo teve mais de uma pessoa na produção, mas eles fizeram somente trabalhos menores, segundo ele “seria impossível Manor Lords existir sem ele estar presente na produção, diferente de você [Bruno] nos jogos da Crate Entertainment”.
Termo Solo Dev a serviço do marketing
Enfim, deixando a treta de lado, fica claro que Manor Lords realmente não foi produzido somente por uma pessoa. Este episódio de debate entre figuras do meio de desenvolvimento de jogos expõe uma nova realidade um tanto triste: o tão respeitado título de Solo Dev está se tornando algo a serviço do Marketing. O motivo de orgulho e de inspiração para grande parte de desenvolvedores que desejam criar jogos em seu tempo livre são tolhidos por atitudes como essa, que desencorajam os novos desenvolvedores de que sozinhos eles podem fazer trabalhos relevantes.
O ponto crucial é que antigamente os jogos produzidos por somente uma pessoa eram descobertos após um determinado tempo e funcionavam como uma motivação extra para admiração pelo belo jogo produzido. Hoje, o termo é trabalhado diretamente no anúncio do jogo para que este choque o público e o leve a pensar “nossa, como uma pessoa conseguiu fazer isso sozinho?”. Com esta ideia cravada na mente dos jogadores, é esperado que o desejo de adquirir o jogo seja impulsionado.
E, se considerarmos o papel do marketing e a necessidade excessiva de trazer mais consumidores para as publishers, as medidas necessárias serão tomadas e uma ou outra mentira passará. Assim nasce a aberração de um jogo que começou com um desenvolvedor e que durante sua produção teve o incremento de vários outros participantes, mas que tem seus valores reduzidos e nomes escondidos para que a campanha de marketing não seja prejudicada.
A mentira de um Solo Dev faz mal para o ecossistema de desenvolvimento de jogos. O olhar dos novatos na indústria que procuram referências e pessoas para se admirar são enevoados por um marketing desonesto que pensa nos resultados imediatos e não se importa em mentir descaradamente para o público. Esta estratégia imoral de marketing por vezes já foi desmascarada e quando é revelada a falcatrua o resultado comum é o desprezo, que muitas vezes não termina no jogo, mas se estende aos desenvolvedores e às publishers. Não sabemos até onde esta ideia será levada, mas parece óbvio que o conceito está desmoronando diante de nós.
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