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Assistimos Duna de 1984 (para você não precisar assistir)

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Nas últimas duas semanas, só se fala de uma produção dentro do cinema de entretenimento: Duna: Parte 2 (leia a nossa crítica aqui). De memes a declarações apaixonadas ao diretor Denis Villeneuve, passando por uma incrível aprovação de 97% no Rotten Tomatoes, não é difícil imaginar quantas pessoas estão querendo mergulhar de cabeça no universo criado por Frank Herbert e consumir tudo que está relacionado à obra.

Imagem de Chani perguntando a Paul "você me amaria se eu fosse uma minhoca?" e ele a encarando com olhar pensativo
Um dos memes de Duna 2 que tomaram a internet

“Frank Herbert?”

Sim, Frank Herbert. Você pode ou não saber, mas o filme Duna é baseado na aclamada série de romances de ficção científica desse escritor americano, cujo primeiro volume foi lançado em 1965. E mais: Denis Villeneuve não foi o único a trazer essa história para as telonas. Em 1984, o diretor David Lynch (que dispensa apresentações) entregou ao mundo sua versão longa-metragem da obra de Herbert, com Kyle MacLachlan como Paul Atreides, Patrick Stewart (!!!) como Gurney Halleck e Sting (sim, do The Police) no papel de Feyd-Rautha Harkonnen. A recepção do filme, no entanto, não foi nada boa. Tanto a crítica especializada quanto os fãs do romance não ficaram muito satisfeitos com o que foi apresentado por Lynch, e fizemos questão de caçar o filme nas plataformas de streaming e tentar entender o motivo – e entendemos. Porém, vou explicar a você o que levou a promissora obra ao fracasso (para que você não precise fazê-lo por si mesmo).

Resumindo Duna (1984)

ATENÇÃO: a partir daqui, haverá spoilers sobre Duna – embora seja um romance de 60 anos atrás e um filme que faz 40 anos em 2024.

O filme inicia com uma narração parcialmente em off da princesa Irulan Corrino (protagonizada por Virginia Madsen), introduzindo o espectador ao universo e ao início da história – o que não incomoda, afinal até hoje a introdução de A Sociedade do Anel na voz da Galadriel ainda é memorável. Contudo, esse fato é, na verdade, a primeira amostra de um recurso que vai estragar boa parte da produção: a falta do Show, Don’t Tell (Mostre, não Conte). Por várias vezes, Lynch escolhe colocar os personagens em primeiro plano, com boca fechada e rosto contemplativo, e a voz deles externando o que estão pensando naquele momento – algo que provavelmente existe dentro da narrativa dos livros (que não li, mas quero muito). Aqui temos um ponto importante para levantar sobre adaptar obras de uma mídia para outra: não dá para fazer uma cópia, pois a contação da história precisa conversar com o modo em que é apresentada – no caso do audiovisual, a imagem é muito mais importante que expor um pensamento com a voz. Dito isso, toda vez que Paul pensava “será que eu sou o escolhido?”, não tinha como não revirar os olhos.

Apesar disso, o ritmo do filme até a metade é interessante, inclusive com várias cenas que com certeza Villeneuve usou como base para criar as suas no filme de 2020. A primeira hora do total de 136 minutos do longa finaliza com o ataque aos Atreides em Arrakis e a fuga de Paul e Jéssica pelo deserto. Aí basta uma simples conta matemática para entender que o filme estava num aclive e ali se prepara para ir ladeira abaixo: se a proposta da produção de David Lynch é contar toda a história de Duna (que Villeneuve decidiu abordar em duas partes distintas de quase 3 horas de duração) e faltam apenas 76 minutos para o fim, como será explicado o encontro com os Fremen e a forma que Paul ganha a confiança deles? E o desenvolvimento de sua relação com Chani, a ascensão de Jéssica ao posto de Reverenda Madre e a importância de Shai-Hulud na crença do povo nativo? Isso sem falar na transformação de Paul em Kwisatz Haderach?

Então… Nada disso é bem (ou sequer) abordado. O filme vira uma sequência de cortes, quase como um jogral de escola, mostrando de forma picotada os passos até o clímax do filme. Em resumo: os Fremen acolhem Paul e Jéssica sem nenhum conflito (inclusive o aceitando como Messias com extrema naturalidade), Chani é totalmente escanteada na história e a irmã de Paul nasce, se desenvolve rápido e protagoniza cenas um tanto bizarras para uma criança de cerca de 5 anos no final do 3º Ato (e, a princípio, parece ter sido mais fiel à obra original de Herbert do que o filme de Villeneuve). “E Shai-Hulud?”, você pode perguntar. Nesse filme, ele não é nada além de um metrô (ou um ônibus biarticulado, para quem é de Curitiba) que leva os Fremen para a batalha final contra os Harkonnen e o exército do imperador (o que acontece nos livros também).

A atriz mirim que interpretou Alia Atreides em Duna (1984), encarando alguém com seus olhos azuis
A pequena Alia em um dos momentos mais perturbadores do longa

O filme termina com Paul subjugando o imperador e uma chuva cai em Arrakis, para a alegria dos Fremen. E a princesa Irulan, que foi a narradora de toda a jornada? Bem, ela não faz diferença alguma ao enredo.

A estética do filme

Sem muitas voltas, vamos falar da estética: muito embora o diretor opte por em vários momentos utilizar computação gráfica (que, mesmo para época, é bem ruinzinho – com direito aos escudos de corpo serem grandes retângulos poligonais que parecem feitos de acrílico), também há muito efeito prático, e aqui a produção brilha – uma pena que não utilizaram mais desse recurso e menos do anterior. O elenco – como era de se esperar de uma produção dos anos 1980 – é 100% feito de pessoas brancas, inclusive para os papéis dos Fremen (que vivem em um planeta desértico com sol torrando durante grande parte do dia) e do Dr. Yueh. Por fim, o planeta Giedi Prime e os Harkonnen remetem a uma estética Cyberpunk, com uma dose de comicidade questionável que – novamente – só os anos 1980 eram capazes de oferecer.

um pedaço do treino de luta com facas entre Gurney e Paul, ambos utilizando o escudo corporal, feito de CGI em caixas poligonais que envolvem seus corpos
o uso do escudo no filme de 1984

Vale a pena assistir?

Na nossa opinião, não. Entretanto, não dá para ser ser injusto: comparar o Duna de Villeneuve com o de Lynch é o mesmo que colocar um Mustang último modelo e um Del Rey 87 para disputarem um racha; são produtos de sua época, feitos da forma que foi possível, com a tecnologia e recursos disponibilizados pelo estúdio. Também pesa o fato que pouquíssimas produções do Século XX pensavam em se dividir em várias partes para poder contar uma história completa (algo que está comum até demais nos últimos anos). Apesar dos pesares, da mesma forma que não podemos jogar pedras na produção de 1984, precisamos sim exaltar o que Villeneuve fez em sua – até então – dualogia. Ele, junto com os demais profissionais e elenco, merecem essa aprovação gigantesca de especialistas e público geral.

Então, pessoa leitora que chegou até aqui, se você deseja consumir mais do universo de Duna, foque nos livros, HQs e o que mais tiver. Pode pular o filme de 1984, pois é bem provável que não fará falta.

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Thiago Pe

Thiago Pe

Nascido e criado em Curitiba - PR, Brasil. Programador, escritor, rpgista, musicista, marido e pai. Tenta efusivamente conciliar todas as ocupações acima – e raramente consegue.

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