Barbie é um filme a ficar para a história. Não apenas um filme para se divertir, mas TAMBÉM um filme para se divertir. Uma produção que explora a evolução do conceito dos estereótipos da sociedade, das representações e representatividades, Barbie apresenta os óculos de Greta Gerwig sobre a realidade e provoca o espectador a pensar junto com ela. Durante os próximos – muitos – parágrafos você verá setorizadas algumas dessas provocações e no que elas implicam.
Para começar é importante deixar claro que se você acha que Barbie é apenas um brinquedo “de menina” ou se considera “redpill”/Incel, esse filme é para você. Se você se considera uma pessoa desconstruída, aberta, esse filme é para você. Se azul é para meninos e rosa para meninas, esse filme é para você. Não importa quem você seja, quantos anos você tenha ou do que você goste, em algum momento você vai sentir que algum dos assuntos te toca. Se engana quem acha que o filme será apenas uma obra “a lá sessão da tarde” colorida e bonitinha, porém se engana também que, por ter uma diretora muito engajada na causa feminista, o filme será apenas um compilado de “reclamações contra homens”. Barbie explora as deficiências da sociedade de forma consciente e estável, sem abusar do bom senso, mostrando a todos que cada um, em sua própria vida, sempre tem espaço para melhorar.
Barbie e a desilusão
Tendo sido deixado claro desde o início do filme, as barbies vivem na Barbielândia. Um local mágico, populado apenas por bonecas e bonecos da grande multinacional Mattel, onde as barbies performam todas as profissões. Piloto, presidente, médica, escritora, cientista, advogada, etc. Todas as posições de destaque são ocupadas por Barbie. Ken “de praia” e os outros Ken são apenas coadjuvantes; “braço direito” das protagonistas. Elas acreditam que isto significa igualdade entre ambos, já que eles também têm seu espaço e que isso se dá graças à criação delas no mundo real. Que sua representatividade tenha trazido igualdade entre homens e mulheres. Todos sabemos que isso não é real, certo?
Barbie e a igualdade
Seguindo do último assunto, principalmente para homens, é estranho ver ou ler que as mulheres possuem os cargos de maior relevância na sociedade tanto públicos como privados. Ainda mais ver Barbie(s) acreditando que isso é considerado igual, já que “os Ken não são mal tratados e suas opiniões são ouvidas”. Contudo, isso não lembra nada não? O filme explora de forma muito explícita a não igualdade no trabalho entre homens e mulheres apresentando a Ken como o mundo real trata esse assunto. Presidentes homens, executivos homens e o culto à masculinidade nas mais variadas instâncias são o EXATO OPOSTO do que Barbie vive em seu mundo.
Este contraponto é exatamente o que prova o ponto defendido pelas lutas feministas: igualdade não quer dizer apenas ter uma mulher no meio de uma mesa cheia de homens. Significa ouvir, entender, ter o espaço, seguir a liderança, deixar de contestar tudo/sempre.
O que vemos, ainda, é que, diferentemente da barbielândia, os homens tratam as mulheres no trabalho, na rua, nos relacionamentos, etc com hostilidade e sarcasmo. Já no seu contraponto, Barbie não entende que é necessário comunicar suas intenções, vontades e sentimentos para Ken, que nutre sentimentos por ela e não os vê correspondidos, considerando o silêncio uma forma de desprezo e não ingenuidade. Aqui a diretora e co-roteirista Greta Gerwig prova que o filme não é apenas uma crítica desenfreada ao masculino ou uma poça de “mimimis” como muitos devem sair pensando. A concepção de igualdade é comumente concebida por aqueles que representam o poder. O pouco que cedem de espaço já consideram como o suficiente e não se importam em saber se realmente estão dividindo igualmente o que é de todos por direito.
Barbie Estereotipada – o que é ser Barbie?
Qual é seu estereótipo de Barbie? O que significa ser uma Barbie? Hoje, uma pessoa independente, trabalhadora, poderosa, etc, certo? Não. Isso é o que normalmente a marca prega. Contudo a maioria das pessoas ainda tem como imagem aquela boneca loira, acinturada, magra, com coxas lisas, seios firmes, batom e maquiagem impecáveis, etc. Esta é justamente a personagem interpretada por Margot Robbie: a Barbie Estereotipada. Sem uma profissão específica, um objetivo de vida, habilidades especiais, ela se vê num mundo onde todas as suas semelhantes conseguem fazer coisas incríveis, mas a protagonista dentre todas não necessariamente tem um papel na sociedade.
O filme parte deste principio para mostrar o quão fútil é o conceito criado há décadas atrás (que ainda persiste na percepção de alguns) e que serve como base para definir uma verdadeira mulher. Apesar das lutas, conquistas etc, muitas pessoas ainda concebem a existência de uma “mulher de verdade” como a Barbie Estereotipada e isso é claramente retratado quando a personagem chega ao mundo real, na praia, de maiô e patins e recebe tratamento o tratamento desrespeitoso e objetificado atrelados ao estereótipo.
Quando o estereótipo é quebrado
Assim como em quase qualquer filme, Barbie Estereotipada (que à partir de agora será referenciada apenas como Barbie para facilitar) percorre uma “jornada da heroína”, dando inicio à sua aventura com uma expectativa, encontrando diversos problemas pelo caminho e evoluindo para concluí-la. No entanto, algumas situações específicas são colocadas para a personagem que estão ali apenas para exemplificar situações de vida real com as quais as mulheres lidam em seus empregos e vidas pessoais.
A “fuga” do papel que Barbie representava, sem habilidades, proatividade ou outras características, assusta os executivos da Mattel ao encontrá-la. Ao perceberem que ela havia desenvolvido consciência e começou a tomar as próprias decisões, consideraram-na um risco e decidiram tomar uma ação. A ação? Colocá-la “de volta em sua caixa”. Não necessário pensar muito para entender o que isso significa. A representação visual da cena já da mais do que conta do recado. Por alguém de volta na caixa significa tê-la de volta “em seu lugar”. Que lugar? O de rostinho bonito indiferente. Ao pô-la na caixa, o objetivo é amarrar a personagem para que volte a ser apenas um estereótipo a ser admirado pelo plástico transparente de uma caixa, desta forma suprimindo a evolução e emancipação que ela deveria representar desde o início.
Mattel: “mea culpa” ou estratégia de marketing?
Um dos pontos altos do filme foi a construção da Mattel como personagem. Will Ferrel está perfeito no personagem de CEO da empresa. A ideia da corporação como uma instituição com claras intenções unicamente capitalistas, com liderança beirando o incompetente e completamente mentecapta relembra – e muito – as características mais marcantes da série The Office. Ferrel se expressa de maneira perfeitamente caricata, assemelhando-se ao egocêntrico e infantil Michael Scott (Steve Carrell). O humor “bobinho” atribuído aos personagens e as cenas “a lá sessão da tarde” contribuem muito para o clima do filme, dando o balanço necessário para o peso do roteiro.
Mesmo que representada de forma extraordinariamente caricata, a Mattel é representada como aquela empresa extremamente focada no capitalismo predatório. Desta forma, não importam os meios ou consequências, mas sim o resultado financeiro. Isso é representado na tela em diversos momentos e de forma explícita, o que aumenta ainda mais a cara “boba e ingênua” da empresa no filme.
Contudo, isso é apenas uma estratégia de marketing para fazer o público pensar que a Mattel, fazendo um filme como esse, se importa com a mudança de imagem e princípios. Ou seria essa um real comprometimento com a mudança de atitude da sociedade como um todo através de seus brinquedos e storytelling.
A decisão? Fica a critério do público.
Barbie – uma concretização da crise de meia idade
Se fosse para um wrap-up da história e resumi-la em um grande “pacote” (o que é meio impossível com este filme), o assunto seria este. Para explicar, será necessário um “textão”. Aqueles que pegaram “a era barbie” na infância hoje têm seus 20 e poucos a 40 anos. Normalmente nesta idade as pessoas sentem as mudanças da vida de forma muito acentuada. Onde estou no caminho da vida em comparação com os outros? No que eu sou bom(a)? Eu realmente sou o que dizem que sou? Quero voltar a fazer as coisas que eu fazia quando era mais novo(a).
Barbie traz essa crise da meia idade, identificando o público alvo como aqueles das gerações de 80/90 que hoje não mais brincam, mas trabalham. Não são as crianças; cuidam de suas próprias crianças. Neste quesito o filme engana muito bem no começo, mostrando uma pré adolescente que acabou de ter vontade de se livrar de suas bonecas, é combativa e impassível como sendo “a humana de Barbie”. Contudo, quem tinha a conexão real com a boneca/personagem era a mãe, que gostava de brincar quando criança e tinha fortes laços emocionais com a Barbie Estereotipada, tendo sido desenvolvidos durante toda a infância da filha.
O roteiro mostra uma mãe ocupada com o trabalho e menosprezada no mesmo, preocupada com a filha, que cuida da casa, dirige o próprio carro e ainda arranja tempo para produzir novos looks e conceitos para a boneca que tanto amou durante a vida. Em meio a todas as atividades ela própria passa por mudanças em seu comportamento e emoções que refletem em sua contraparte na Barbielândia. O desenvolvimento da história ocorre na busca das personagens principais – Barbie e Gloria – para que reassegurem suas forças e identifiquem quem são agora, após suas rápidas, imperceptíveis e confusas “transformações da meia idade”.
Além disso o filme é um soco na boca do estômago daqueles que discursam em prol dos extremos. Tanto aqueles que acreditam que a Barbie é apenas uma personagem básica e estereotipada feita para objetificar a mulher aprendem que isso nada mais é do que um pensamento infantil (atribuído à filha pré-adolescente de Gloria) quanto os que bradam aos ventos que a história é puro “mimimi de feminista” e críticas aos homens veem o quão infundadas e desprovido de cognição (para dizer o mínimo).
Em suma – Barbie é uma ode ao bom senso
Tendo contado com um exército de atores e atrizes de renome além de outras estrelas do mundo pop, ninguém realmente é A ESTRELA da tela. A divisão de estrelato entre Kens, Barbies e até o Alan mostra a opção da diretora em focar no “ensine pelo exemplo” e mostrar que todos podem ter seu lugar ao sol num grande filme. Além de outras incríveis referências como à criadora da Barbie – Ruth – que serve como a Oráculo em Matrix e também as representações “abonecadas” de Margot Robbie Estas que acontecem quando ela começa a perceber que suas funções de boneca propriamente ditas não funcionam mais como deveriam (lembra do último tópico?). As descrições muito claras sobre as sensações de ambos os personagens ao serem observados e focados no meio do público e as descrições da Mattel sobre os personagens descontinuados e muitas outras características que por si só valem um outro texto!
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The MD – Jornalismo de E-Sports
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