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Cartaz de Névoa Prateada, mostrando Florence e Franky num por do sol, contemplativas

Névoa Prateada: enredo tocante, embora enevoado

Existem histórias com começo, meio e fim. Outras, partem de um ponto específico em direção a uma jornada maior. Em Névoa Prateada, filme da diretora Sacha Polak (Dirty God), o foco parece ser mais em “por que chegar?” ao invés de “aonde chegar” em relação à conclusão da história a ser contada.

Da tragédia ao autodescobrimento

Névoa Prateada apresenta a vida de Franky (Vicky Knight), uma jovem enfermeira que sofreu severas queimaduras em seu corpo ao ser vítima de um incêndio na infância – fato esse logo exposto nos primeiros momentos do longa através de takes que evidenciam suas cicatrizes. Apesar de sempre solícita e sorridente com seus pacientes, seu olhar indica a dor interna e a ausência de resolução dos problemas do passado. Muito embora a produção inicie com um momento íntimo entre ela e seu namorado Flynn – com direito a uma declaração de amor por parte dele – e passe a momentos onde sua beleza é elogiada por outras pessoas, Franky não se sente bonita ou atraente. Na realidade, sente-se incapaz de ser amada – algo não exposto de forma escancarada, mas mostrado nos pequenos detalhes, desde a sua dificuldade de continuar seu relacionamento com o namorado, de sentir prazer ao estar com ele, até em momentos mais à frente, onde demora a entender o valor de ser acolhida e abraçada por uma figura que a quer bem.

Muito desse comportamento deve-se ao seu trauma de infância: 15 anos antes, um incêndio a marcou – física e psicologicamente – para sempre. Na derradeira data, ela e seus familiares se reúnem no local do acidente para fazer uma homenagem a Mike, a pessoa que se sacrificou em meio às chamas para salvar a vida de Franky (e não fica claro se sua relação era de amizade com a família ou de parentesco). O incêndio, considerado pelos peritos como criminoso, teve como principal suspeita Jane, uma amiga da mãe de Franky e que, mais tarde, descobriu-se ser amante do seu pai, que abandonou sua família para viver com a amante, logo após o acidente. Após 15 anos, Franky e sua irmã Leah descobrem que o casal vive em uma bela casa e tiveram um menino. O ódio que ela sente pelo pai justifica-se por completo quando é revelado que seu pai havia questionado à sua mãe “Quem irá querer se relacionar com ela?” após ver a menina deformada pelas queimaduras.

Aos poucos, torna-se claro que sua dificuldade em se relacionar não se trata apenas da sua baixa autoestima por conta da aparência física, mas sim do asco intrínseco pelos homens, dado os exemplos que ela possui: o pai que traiu e abandonou a família, o namorado que parece ser muito dependente, seu irmão preconceituoso e, por fim, o nojento namorado de Leah. Adicione a isso o fato da justiça nunca ter punido alguém pelo caso do incêndio criminoso, o que dá a Franky uma necessidade de que a justiça seja feita não só no caso do seu acidente, mas também nas pequenas coisas da vida – inclusive quando envolve um senhor de idade que se acovarda em um momento especifico.

É nesse cenário que Franky encontra Florence, uma jovem que tentou suicídio e estava sob cuidados do hospital onde ela trabalha. Dada sua solicitude, Franky convida Florence para sair e beber alguma coisa, na tentativa de animar alguém que visivelmente precisa de ajuda. Então, de forma arrebatadora, Franky descobre o amor e autoaceitação junto a Florence, evidenciado no primeiro momento íntimo entre as duas. Expulsa de casa pelo irmão Tom por homofobia, Franky vai morar com Florence e sua família adotiva, imaginando que ali teria o conforto e apoio para se dedicar à resolução do fantasma do passado que envolve Jane e seu pai. Porém, o comportamento impulsivo de Florence, somado a outros percalços, fará com que Franky tenha que testar sua resiliência em vários momentos.

Isso é só o começo?

Parecem muitos detalhes para uma introdução à história, não? Pois é. Contudo, é importante ter todo esse cenário em mente para compreender os acertos e erros de Névoa Prateada. O filme é muito bem executado, tocante e retrata a vida real em vários aspectos – e aqui, mesmo Franky sendo a protagonista, acabamos encontrando pontos de atenção em vários dos coadjuvantes –, além da bela e melancólica fotografia. Entretanto, ao escolher tantos elementos interconectados no enredo (e nem iremos comentar sobre a mudança de religião de Leah), Sacha Polak – que também assina o roteiro – torna complicado para a pessoa espectadora compreender qual o fio narrativo da história. Afinal, o importante é a resolução do caso do incêndio ou o relacionamento dela com Florence? A questão de como sua família a abraça e a afasta de forma intermitente ou os constantes indicativos que os homens ao seu redor não prestam? Lidar com Florence e suas dificuldades psicológicas ou ajudar a cuidar da mãe adotiva da garota, que está sofrendo de um câncer terminal? A quantidade de variantes e, principalmente, a falta de resolução para elas ao fim do longa acabam por minar parte da experiência a ponto de ser difícil identificar onde começa o terceiro ato – ou se sequer existe –, além de deixar o espectador questionando a real importância de alguns dos fatos apresentados.

Por que Névoa Prateada?

Silver Haze (nome original de Névoa Prateada) é o nome de uma espécie de cannabis utilizada tanto para uso medicinal quanto recreativo. Pode ser utilizada como tratamento para dores crônicas e relatos de seus efeitos indicam desde euforia e picos de criatividade até relaxamento e sensação de bem estar. O título do longa faz alusão direta a esse fato – principalmente porque a droga está presente em boa parte do filme, o que ajuda a entender alguns momentos de Franky, usuária da erva. Talvez ela tenha começado a utilizar o psicotrópico por conta das dores e acabou levando para a vida. Há momentos de felicidade, onde ela dança, ri, se diverte no mar e parece genuinamente feliz. Porém, a realidade sempre parece bater de frente com ela pouco depois. Nessa montanha russa de sentimentos, um dos principais pontos positivos de Névoa Prateada se sobressai: a atuação impecável de Vicky Knight, que sequer é uma atriz profissional – sua ocupação principal é assistente de saúde hospitalar. Knight já havia sido amplamente elogiada por Dirty God (2019), dirigido também por Sacha Polak, e sua interpretação de Franky justifica o fato de Polak tê-la escolhido novamente para ser sua protagonista. Não à toa, Knight foi a vencedora na categoria Melhor Atriz no Festival de Berlin de 2023.

Resumo

Apesar da belíssima atuação de Knight (méritos também para Esme Creed-Miles no papel de Florence), de personagens carismáticos como Alice e Jack e do ótimo trabalho de fotografia, fica – por conta da falta de resolução apontada dois parágrafos acima – uma sensação vazia ao final dos 102 minutos do longa. A última cena deixa a conclusão por conta da imaginação do espectador – o que, depois de digerir a história, pareceu uma decisão acertada de Polak –, mas também tinha ali o potencial de entregar o clímax do enredo. Ao criar tantas histórias em paralelo e não entregar as devidas amarras no fim, Polak parece ter se perdido em meio à névoa, nos deixando o questionamento se havia um lugar para chegar ou se apenas deveríamos curtir a viagem. Ainda assim, é uma obra sensível e que vale a pena ser vista.

Névoa Prateada estreia nos cinemas brasileiros em 18 de abril de 2024 pela Bitelli Films.

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