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Grande Sertão

Grande Sertão – a melhor fantasia sobre uma realidade

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O “Grande Sertão” é um filme estruturalmente – e surpreendentemente – magnífico. Esta foi a frase que ecoou pela cabeça após a finalização do longa. Com uma fotografia de tirar o fôlego e decisões de direção que encantam, o filme tem peculiaridades que vão contra o senso comum de “filme de cinema” e se encaixam nas visões mais artísticas deste tipo de produto. Em uma história na qual se desenrolam críticas veladas, exaltações inesperadas, protagonistas dão a vez aos coadjuvantes, que iluminam e dão vida à história.

Com uma estética 100% inversa ao “greenpunk” e que remete MUITO aos Distritos de Jogos Vorazes ou a um sistema de castas sociais, a história se passa em uma comunidade isolada (e obviamente muito pobre) chamada Grande Sertão. É dispensável aprofundar a relação entre a comunidade ficcional com as diversas espalhadas pelo Brasil, mas é importante ressaltar o estudo estético das construções verticais, que se assemelham aos grandes arranha-céus, mas sem o glamour arquitetônico e cores vivas.

Caio Blat e Luisa Arraes, que interpretam os protagonistas Riobaldo e Diadorim, entrelaçam-se num romance não verbal que envolve o público a cada cena. As idas e vindas desse ballet são acentuadas pela incessante presença assustadora dos personagens secundários, que dão vida à comunidade e ditam o ritmo e direcionamento da trama. Hermógenes (Eduardo Sterblitch) é um vilão de tirar o fôlego. Instável, de aparência assustadora e digno de um espaço em Mad Max, Hermógenes é o motor dos acontecimentos e não descola do centro da tela por boa parte da obra. O fato de personagens secundários terem tanto destaque dentro da obra mostra coragem (e qualidade) do roteiro, já que o mesmo consegue desenvolver a história e seus protagonistas usando a voz, a imagem e as ações de terceiros. Não só pelo antagonista (até melhor chamá-lo assim do que apenas vilão), mas também de todos os que tangenciam a relação da dupla principal.

Por falar em coadjuvantes, Bebelo (Luis Miranda) e Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi) inicialmente parecem representar a dicotomia social padrão da sociedade e comumente (e MUITO superficialmente) representada em qualquer obra sobre a realidade brasileira. O que o diretor Guel Arraes traz, por outro lado, é uma leitura romântica – quase que epopeica – voltada à representação dos grandes guerreiros medievais na pele dos comandantes do sertão. De um lado o quase cômico policial, que inteligentemente usa sua unidade para tentar pacificar o Sertão e de outro o duro, imparável, porém justo líder da facção criminosa que controla a região. Referências históricas unidas à narração e representação corporal (essa, por sinal, impecável) de Caio Blat, são introduzidas para dar fluidez, movimento e contextualização ao que se apresenta na tela. Essa costura empodera aqueles que conhecem a conturbada história brasileira e contextualiza aos demais, a vida do professor (ao que parece ser da matéria História) Riobaldo em suas aulas na escola da região. Uma épica batalha de exércitos também acontece, com cada um de seus líderes participando. Tais exércitos são fotografados de forma a lembrar grandes guerreiros medievais, mas com toda a rigidez e paleta cinza do mundo moderno.

Dos diversos pontos de representação ambígua na vida de Riobaldo como o crime e a educação, o poder da arma e o peso dos livros, o dever da polícia para com a lei e a lei do crime, há apenas um que realmente o abala. O amor. A ambivalência da presença marcante de Diadorim em sua vida é contraposta pela paz e promessa de aconchego oferecidas pela companhia de Otacília. A personagem de Mariana Nunes se apresenta como uma âncora que assegura o lado consciente de Riobaldo nos mais difíceis momentos de decisão. Em contrapartida, Diadorim de Luisa Arraes ascende o desejo primitivo, que entrelaça fúria e desejo em uma sensação que o até então apático professor jamais havia experienciado. Prazer e dever se digladiam no interior do protagonista enquanto cautelosas pinceladas de consciência são dedilhadas na forma de cores, cenário e ângulos de câmera excepcionais.

No entanto, mesmo garantindo um lugar especial na lista de filmes do nosso coração na Black, Grande Sertão não é um filme para “qualquer um”. Sua construção se afasta – e muito – do que é de costume nas salas de cinema. A forte ligação da obra com o teatro se dá não apenas pela atuação em emoções e gestos exagerados, mas também no diálogo rimado e ritmado. Ademais, a fotografia acompanha a densa narração e acentua ainda mais essa diferença em momentos chave da narrativa. Isso se dá usando movimentos de câmera suaves, quase que imperceptíveis, mas que enfatizam o sentimento do público a cada palavra que sai da boca dos personagens. Essa forma de representação audiovisual dificilmente cai nas graças do público que, acostumado com o padrão “pop” do cinema, acaba por não compreender a obra de forma integral. No entanto, é importante ressaltar que o filme, baseado no livro de João Guimarães Rosa – Grande Sertão: veredas – não se propõe como um conteúdo de fácil digestão. É recomendado, portanto, um gosto prévio por obras clássicas ou, ao menos, por representações teatrais para poder consumir o conteúdo de forma plena.

Grande Sertão, portanto, é uma obra complexa e de peso. Cheia de detalhes, referências, o filme tem como seu destaque maior as representações visuais de locação, figurino, temática e narrativa de ambiental, que insere informações importantes sem necessitar qualquer diálogo ou interação. As atuações também não deixam a desejar e a direção de Guel Arraes já foi premiada no Critic’s Pick no Tallinn Black Nights Filme Festival (PÖFF), na Estônia.

Por fim, um agradecimento especial à Espaço Z por mais uma vez gentilmente nos conceder acesso à película!

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The MD

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Jornalista. Desde criança apaixonado por games e e-sports. Tendo feito disso minha carreira, busco sempre a melhor forma de profissionalizar o cenário nacional com o objetivo de alcançar e conscientizar mais e mais pessoas.

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