O novo filme da A24, que estreia em 18 de abril nos cinemas – Guerra Civil -, é uma complexa composição de análises críticas da sociedade, especialmente sobre o papel do jornalismo. Disfarçado de um mero filme de ação, o longa conta com atores de peso como Stephen McKinley, Kirsten Dunst e o brasileiro Wagner Moura. Não só em interpretações incríveis, mas com um roteiro tão robusto que mereceria três ou mais matérias, mas o foco desta vez é a verdade crua e cruel da necessidade e hipocrisia do jornalismo na vida contemporânea.
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Antes de abordar o assunto principal, é importante destacar a incrível premissa que embasa o filme. Como em um resumo de escola, é possível usar as palavras “e se os EUA repentinamente se tornassem um país de terceiro mundo, lutando por cada gota de esperança?”. Pois é, a realidade muito se assemelha à dos países mais pobres, aos quais são enviados voluntários para ajuda humanitária e onde o som de tiros é um companheiro constante. Luzes de foguetes e artilharias anti-aéreas iluminam o céu norturno enquanto um presidente covarde mascara a situação em rede nacional. Temas como desvalorização da moeda, xenofobia (bem americano, não é?), desinformação, atentados a inocentes, lutas por recursos básicos e, principalmente, o papel da mídia, são amplamente abordados nesta impactante obra.
Vale lembrar que o filme pode trazer gatilhos diversos, portanto é recomendada discrição aos espectadores, pois sangue, flashes, linguagem ofensiva e outros gatilhos emocionais estarão presentes.
Jornalismo contemporâneo: nos perdemos “no personagem” em busca de poder?
O filme aborda uma parte da vida da renomada e extremamente fria fotojornalista de guerra Lee (Kristen Dunst) e seu parceiro Joel (Wagner Moura que – aliás – rouba a cena em muitos momentos). No filme, ambos cobrem a guerra civil nos EUA em protestos e linhas de frente e pretendem conseguir uma entrevista com o presidente pois temem que a guerra esteja num rumo inevitável à derrota do mesmo. Juntam-se à jornada Jessie (Cailee Spaeny), uma aspirante a fotojornalista, e Sammy (Stephen McKinley), um experiente jornalista, “voz da sabedoria” do grupo.
Em seu caminho, Lee e Jessie criam uma relação similar à de Joel e Ellie, durante a qual ambos amadurecem enquanto pessoa, já que Lee reaprende a ter empatia e Jessie congela seu fervoroso e empático coração. Ao longo da detalhadíssima trama é possível ver claramente o desenvolvimento (ou seria a atenuação?) do sentimento de dever jornalístico de Jessie, que passa a não se abalar mais com as situações desumanas que relata, buscando sempre a melhor foto – mesmo que custasse se arrsicar ou arriscar as vidas dos soldados que a ela protegiam.
Joel, um viciado em adrenalina (e álcool) desempenha papel crucial neste momento, já que Lee começa a questionar seu estilo de vida e as ações que toma, levando sempre em consieração o exemplo a ser dado para a nova geração de jornalistas representada por Jessie. O parceiro divertido e despreocupado interpretado por Wagner Moura toma a frente nas tomadas de decisão, apresentando o mundo mais cruel possível do jornalismo para a jovem menina, que aprende rapidamente que corpos, sangue, execuções de homens desarmados e demais situações não são nada além de meios para atingir a foto perfeita, o momento de glória jornalística. O “poder” concedido a ele por um simples crachá de imprensa é ridicularizado em diversas cenas, mostrando que, hoje, um comunicador se entrega à possibilidade de poder fácil por ser uma figura que muitos buscam para ter informações privilegiadas. E é aqui que entra o próximo e tão importante quanto assunto.
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O jornalismo é um mal necessário ou um bem corrompido?
Guerra civil propõe um jornalismo cético, imparcial e necessário. Porém, também propõe um jornalismo egocêntrico, indiferente, abusivo e inconsequente. O questionamento quanto à necessidade do detalhe, da expressão, da dor e da sansacionalização da morte vem derrubando quaisquer outras minúcias da ética profissional. A crítica ao sensacional toma conta à partir da segunda metade do filme, que deixa de ser uma jornada de desenvolvimento para tornar-se uma construção crítica da realidade da mídia.
Enquanto reafirma a necessidade do compartilhamento da notícia e da realidade enquanto ferramentas morais e éticas de liberdade, o filme também nos entrega não um prato, mas um buffet inteiro de contradições enfrentadas pelos profissionais. Até onde vai a notícia e onde começa a necessidade de ser a primeira pessoa a fotografar o momento? Qual é a divisa entre o compromisso com a verdade e a hipocrisia disfarçada de moral? Até onde um jornalista vai para conseguir sua foto perfeita? O filme deixa muito claro, desde o início, sua posição sobre o assunto e a resposta não surpreende: o profissional jornalista hoje vê as pessoas e seu sofrimento como apenas mais ferramentas para asceção profissional.
“Se eu morrer (…) você vai tirar uma foto do meu corpo também?” pergunta Jessie a Lee
“O que você acha?” Ela responde
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Por último, o filme acrescenta mais um peão estratégico neste xadrez argumentativo. Já no final o filme nos golpeia com um choque de realidade acerca do personagem Joel. Para evitar spoilers, imagine que toda a construção das críticas envolvem personagens específicos. Representações humanizadas das características mais marcantes da obra. A inconsequência de Tony (Nelson Lee), a adrenalina do repórter de campo com Joel, a frieza do jornalista atuante em Lee, a sabedoria muitas vezes ignorada do sábio jornalista mais velho com Sammy e o fervor da justiça social e o choque de realidade do foca (essa é para nossos leitores jornalistas) representados por Jessie. A face de um amigo torna-se, para o público, uma representação vilanesca. Para Jessie, outro exemplo da realidade.
O bem, o mal e a mídia. Mas…. será mesmo?
O filme, no entanto, não nos entrega julgamentos. Do contrário, nos incentiva a compactuar ou repudiar as ações dos personagens. Questiona nossas decisões morais e a quais princípios éticos nos agarraremos para defender nosso ponto de vista. Não existem vilões neste filme (a não ser pelo assassino racista interpretado por Jesse Plemons e seus amigos), apenas realidades levemente exacerbadas da realidade, generalizando uma concepção de jornalismo que parece cada dia mais tomar as lições passadas para as próximas gerações.
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Até onde você iria para alcançar um objetivo pessoal/profissional? Muitos responderiam que não iriam longe, não presenciariam atrocidades nem muito menos responderiam com indiferença a uma execução. No entanto, o que o filme nos mostra é que somos facilmente carregados pela onda da emoção e o fervor do momento até o ponto em que nos flagramos desfrutando de oportunidades antes impensáveis – em nome de uma liberdade hipócrita ou de um dever autoimposto da entrega da verdade para uma sociedade sedenta pelo absurdo.
Guerra Civil nos bombardeia (com o perdão do trocadilho) com inúmeros questionamento e gratificantemente nos deixa sem quaisquer respostas. O sentimento de revolta ou o de dever cumprido é invarialvelmente dependente das já citadas bases éticas às quais cada um vai se agarrar. Dirigido por Alex Garland, o filme teve um orçamento de 50 milhões e já conta com ótimas avaliações nas mais diversas plataformas como Rotten Tomatoes e Metacritic! Um agradecimento especial pelo convite da Espaço Z, que possibilitou a publicação deste material!
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