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Zona de Interesse: o azarão do Oscar pode vencer nos detalhes

Muito embora a premiação do Oscar tenha nos últimos anos aberto os olhos para produções fora de Hollywood (Parasita, Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo, Drive My Car, Minari), em 2024 a disputa está complicada para os filmes estrangeiros da vez: Zona de Interesse (Inglaterra) e Vidas Passadas (Coreia do Sul) – ambos apadrinhados pelo estúdio A24 –, e Anatomia de Uma Queda (França). Nomes de peso como Martin Scorcese (Assassinos da Lua das Flores), Steven Spielberg (Maestro) e Christopher Nolan (Oppenheimer), além de Barbie e Pobres Criaturas – filmes amplamente aclamados pelo público –, prometem tornar a luta pelo Oscar um território espinhoso.

A aposta em Zona de Interesse se abraça não só no tema a ser tratado (o nazismo e o Holocausto na Segunda Guerra Mundial), mas como é feito de uma forma que talvez nunca tenha sido abordada antes. Então, se você pretende assistir ao filme esperando cenas de ação, guerra e espetacularização do Holocausto, melhor mudar suas expectativas. Isso, inclusive, a produção já faz bem no seu início, ao apresentar um fade extremamente lento do título do filme, do branco ao preto, como se dissesse ao espectador “respire fundo, essa história é para deglutir aos poucos”. Logo depois, somos apresentados a um interminável momento de tela escura com sons altos, envolvendo gritos, notas musicais dissonantes e barulhos de difícil compreensão, causando enorme desconforto. Desconforto esse que nos acompanha em praticamente todos os 105 minutos do longa.

Falar sobre Zona de Interesse sem dar alguns spoilers é praticamente impossível, haja vista que é uma experiência que cresce na sutileza dos detalhes e cada um deles é colocado de forma pensada para causar, aos poucos, a realização na mente do espectador acerca do que está realmente acontecendo. Porém, vamos iniciar pela premissa: baseado no livro homônimo de Martin Amis, o filme narra a história do comandante do exército alemão Rudolf Hoss e a vida com sua família. A questão é que Hoss foi um personagem real e um dos idealizadores das técnicas de extermínio em massa utilizadas nos campos de concentração de Auschwitz. O filme, entretanto, se inicia sem tornar esse fato relevante: ele e sua família estão fazendo um piquenique à beira de um rio, brincando e se divertindo. Depois, mostra-se um pouco da rotina deles em uma bela casa, com um extenso quintal que possui piscina e estufa. Tem até uma festa de aniversário para o protagonista e closes bonitos, como a esposa de Hoss, Herwig, apresentando as flores do jardim para seu bebê.

O peso dessas cenas começa a transparecer aos poucos, com detalhes como o de um courier que traz algo que parecem encomendas para a família, para logo depois vermos que a família está dividindo entre si pertences retirados de judeus aprisionados, ou o cuidado de Rudolf ao deixar as botas do lado de fora da casa para que uma serviçal retire o sangue da sola. Não demora muito até que percebamos, em tomadas de câmera muito bem executadas, o contraste entre a bela casa, o lindo jardim, e o muro com arame farpado ao fundo, indicando que a moradia dos sonhos dos Hoss está exatamente ao lado do campo de concentração.

Em momento algum do filme é mostrado qualquer cena de violência (ao menos, explícita). O ponto de vista se passa sempre aos olhos da família – tão acostumada e totalmente alheia ao sofrimento dos “vizinhos” prisioneiros – que sequer parecem se incomodar com os sons de gritos, tiros, ou com os clarões à noite das fornalhas de extermínio. O trabalho de som do filme, inclusive, é o ponto alto da produção do diretor Jonathan Glazer: o espectador só é apresentado aos sons do outro lado do muro quando a mãe de Herwig chega para visitar a família. Em outras palavras, na hora em que somos convidados a experienciar a realidade da família pelos olhos e ouvidos de alguém de fora. Em outros momentos, onde algo causa desconforto a um ou outro membro da família, os sons também voltam a aparecer – de forma mais contida –, incluindo uma cena onde o filho mais novo espia uma execução a sangue frio pela janela, e apenas diz a si mesmo “não faça mais isso”.

O auge da banalização do sofrimento alheio vem quando Hoss informa sua esposa que será transferido e que eles teriam que se mudar. Para Herwig, o lugar onde moram é um paraíso, e ela se recusa a sair, dizendo para o marido ir morar sozinho no novo local e exigindo que ele convença seus superiores a deixar os demais membros da família morando naquela casa durante o período. Em outra cena, quando a avó das crianças decide ir embora durante a madrugada – indicando que, mesmo tendo sido bombardeada pela propaganda antissemita, ela não conseguiu suportar conviver com o genocídio em curso do outro lado do muro –, Herwig se revolta, e – numa alusão à fornalha que exterminava cruelmente os judeus, vista da janela dos quartos da moradia – lança o bilhete de despedida da mãe dentro do incinerador que aquece a residência.

Mantendo o ritmo lento e as composições contrastantes das cenas, Zona de Interesse termina da mesma forma que começou: uma tela preta com os sons angustiantes que, então, fazem um pouco mais de sentido ao espectador, mas não antes mostrar uma pequena montagem do Museu de Auschwitz sendo preparado pela equipe de limpeza para mais um dia de visitas, numa analogia de como podemos ignorar o sofrimento alheio (ali representado por pertences e pares de sapatos expostos em vidraças) e seguir nossa vida como se nada tivesse acontecido. Não se enganem: o filme retrata a desumanidade de uma família nazista, mas não é difícil fazer um paralelo em como o ser humano ainda fecha os olhos para muitas injustiças – desde que não atrapalhe sua zona de conforto (ou de interesse?). Em suma, Zona de Interesse não é um filme fácil de assistir. A complexidade do tema e a veia artística do diretor podem afastar espectadores mais casuais. Entretanto, a mensagem a ser passada vale o esforço, mesmo que seja de forma sutil e dependente da atenção irrestrita de quem está assistindo – e talvez aqui esteja o grande desafio de Zona de Interesse na busca por uma estatueta: se atualmente é difícil convencer parte da sociedade sobre a existência de um genocídio, mostrando fatos irrefutáveis, será que uma obra que se sustenta apenas nos detalhes conseguirá fazê-lo?

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