Apesar de ser uma história completamente diferente, Stephen King provavelmente ficou muito feliz com os royalties que ganhou
O filme A Torre Negra (2017), dirigido pelo diretor dinamarquês Nikolaj Arcel, adapta a série de mesmo nome do escritor estadunidense Stephen King. O longa-metragem reproduz — ou tenta reproduzir — oito livros em apenas 1h35min. O resultado da transposição da saga literária para os cinemas é a decepção em sua forma mais cristalina.
Uma das principais críticas ao filme é a caracterização das personagens em relação aos livros. A história original gira em torno do implacável Roland Deschain, descendente do rei Arthur e último pistoleiro existente daquele “mundo que seguiu adiante”, em busca da misteriosa Torre Negra. O protagonista de olhos azuis acredita firmemente que os fins justificam os meios, livrando-se de tudo e de todos que passam pelo seu caminho, por mais que isso implique em sacrificar quem ele ama. Já na obra cinematográfica, Roland é retratado como alguém disposto a desistir do seu objetivo para estar ao lado de um de seus quatro companheiros, Jake Chambers. A profundidade psicológica e a complexidade das motivações de Deschain são perdidas, assim como os membros restantes do seu ka-tet — grupo unido pelo destino —, Oy, Susannah e Eddie Dean, são inexistentes.
Outro ponto a ser destacado é a maneira superficial que a história é trabalhada nas telas. A obra publicada de 1982 a 2004, com elementos de faroeste, fantasia e horror, aborda temas como destino, bem e mal e, principalmente, redenção, enquanto o longa se assemelha aos atuais filmes de heróis, ou seja, com cenas de ação, mas um enredo sem reflexão profunda. Ao passo que King consegue despertar nos leitores um gosto de ‘quero mais’, o filme não consegue capturar a essência e a riqueza da narrativa. Especificamente no final do oitavo e último volume, há um plot twist incrível, ao passo que, no fim do filme, resta apenas o sentimento de ser mais um entre vários.
Em contraste, em It – A Coisa (2017) e It – Capítulo Dois (2019), ambos dirigidos pelo argentino Andy Muschietti, houve a preocupação em adaptar o livro de King com 1.104 páginas em dois filmes, totalizando mais de 5h de duração. Embora haja mudanças significativas em relação à publicação de 1986, o diretor ainda assim se empenhou (ou ao menos tentou) em desenvolver as personagens e o enredo.
Finalmente, A Torre Negra é um exemplo de como a adaptação cinematográfica de uma obra literária pode e, muito provavelmente, vai falhar em capturar a profundidade e a variedade da fonte original, causando a sensação de que muito foi perdido no processo de transposição para as telas. O trabalho de Nikolaj Arcel pode ser apreciado como algo individual, mas apenas isso.