Em 2025, qual o lugar nas nossas vidas e como é vista a necessidade do amor romântico? Diferente dos anos 90 e começo dos 2000, quando clássicos da comédia romântica se consagraram, o gênero parece não ser mais a voga. Isso quer dizer que nos tornamos mais descrentes no amor? É apenas uma tendência da indústria, movida por outros intere$$es? Talvez questões para uma outra matéria que não uma sobre o novo filme de Celine Song, “Amores Materialistas”.
No ano em que “Anora” dominou a maior premiação do cinema mundial, um filme que para além das críticas já habituais de Sean Baker ao American Dream, conta uma história à la Cinderela às avessas, “Amores Materialistas” não quer ser Anora (e graças a Deus), mas é interessante pensar que ambos os filmes tratam de temas semelhantes apesar de desenvolver como eles se entrelaçam de forma diferente.

Em “Amores Materialistas”, Lucy (Dakota Johnson) é uma casamenteira de luxo vivendo em Nova York, e talvez você esteja se perguntando: o que exatamente seria uma casamenteira? Você pode imaginar que ela seria uma cerimonialista, mas não, Lucy é basicamente um Tinder humano. Procurada por clientes de “alto valor”, ela organiza matches entre casais cujas buscas coincidem e espera que o Cupido se encarregue do destino dos pombinhos. Para qualquer pessoa que já usou um aplicativo de relacionamento, pode-se imaginar que a vida profissional de Lucy não é exatamente fácil. Afinal, como comunicar a uma cliente linda e bem sucedida, mas que comete o crime de ter 39 anos, que ela não terá um segundo encontro com o cara que ela se encantou, pois ele não acha que ela preencha um quesito em sua extensa lista de compras. Não que a cliente também não tenha sua própria lista e suas intransigências.
Lucy, em conversa com uma colega de trabalho, define seus clientes como entitled, pessoas que se sentem merecedoras de algo ou alguém, geralmente sem uma razão clara para tal privilégio. E a tensão entre duas pessoas desse mesmo perfil, e de forma mais abrangente todo o mercado movido por essas pré-concepções, é o tom que Celine Song quer estabelecer sobre o que virou o amor romântico em 2025. Um grande mercado do amor, em que duas pessoas estão juntas se “a conta fecha”.
É nesse contexto que Lucy conhece Harry (o onipresente Pedro Pascal) ao mesmo tempo em que retoma contato com John (Chris Evans), seu antigo namorado. Harry trabalha no mercado financeiro e é extremamente bem-sucedido, vem de família abastada e amorosa, além de viver numa cobertura própria em Tribeca. John é um ator mal-sucedido que faz bico de garçom, não tem um relacionamento que vale a pena ser mencionado com a família e vive com colegas de quarto no apartamento de aluguel que consegue sustentar.
Se relacionamentos e casamento fossem o tratado econômico que já foram historicamente para a aristocracia (e não são mais?), Harry era a escolha óbvia para Lucy. No entanto, o desenrolar da relação dos dois é marcada pela presença de John. É no contexto desse triângulo amoroso que Lucy recebe a notícia no trabalho que uma cliente foi agredida num encontro armado por ela através da agência. A constatação que ela teve alguma responsabilidade nessa violência leva Lucy a questionar sua conduta, dentro e fora da agência, além de desafiar a posição veemente que apresenta desde o início da história sobre o mercado amoroso como simples matemática. E se seu relacionamento com Harry nasceu da admiração do mesmo por uma mulher que “entende o jogo”.
Há muitos pontos a serem enaltecidos em “Amores Materialistas”. Se talvez ele tenha parecido menos poético que “Vidas Passadas”, filme de estreia de Song, não significa uma falha na carreira ou que “Vidas Passadas” foi um acidente. Muito pelo contrário, mostra apenas repertório de uma realizadora que a internet já brinca ter nos triângulos amorosos sua marca registrada. Ainda com isso, a forma como aborda esse triângulo, ainda que a tensão entre os interesses amorosos rico e plebeu não seja exatamente nova, é instigante por dar tempo de nos infiltrarmos no mundo das casamenteiras e a selvageria dos relacionamentos modernos.
Já que falamos de “Vidas Passadas”, inclusive, é válido ressaltar que a estreia de Celine Song não se trata de um Romance. Pois como a própria Lucy fala, Romance é “besteira de mulher” e por isso visto como menos importante? Não. É que saber que um filme romântico é O suficiente para muitos torcerem o nariz. E “Amores Materialistas” é irrevogavelmente um Romance. E não tem vergonha de ser, o que é brilhante, pois ele mostra que contrária à concepção tradicional, ele não precisa ser fútil só por se tratar desse gênero. Por exemplo: em uma breve cena em que novas clientes apresentam suas exigências num formato de entrevista que remete ao clássico “Harry & Sally”, Lucy tem dificuldade de esconder a frustração; que ela já havia sido melhor sucedida em esconder em cena semelhante. O espectador é pego pensando em como não só em relacionamentos, mas na vida moderna, estamos cada vez mais fechados nas nossas certezas e aversos à alteridade e a lidar com as nossas frustrações e como podemos também frustrar o outro. Se essa mesma cena, como dito, ecoa outra previamente estabelecida, mostrando a movimentação da personagem, uma segunda cena é recheada de ironia ao fazer Lucy repetir seu discurso de clientes que “preenchiam muitos dos nossos requisitos”, mas sem sua habitual positividade, o que escancara não só o vazio que ela sente, mas também a insanidade do mundo muito particular que ela habita.

Se Dakota Johnson talvez tenha sido uma escolha questionada para o filme, uma vez que ela acumula alguns flops que renderam até o Framboesa à atriz, ela é competente em mostrar como a personagem vacila ao longo da história e os altos e baixos do seu arco. Seus colegas de elenco também estão seguros em seus papéis, ainda que Chris Evans, depois de viver o bom-mocismo do Capitão América por mais de uma década, seja difícil de encará-lo por outro prisma que não esse, o que talvez tire um pouco da profundidade do personagem.
“Amores Materialistas” está nos cinemas a partir de 31 de Julho. Para mais notícias sobre filmes, séries, games, esports, quadrinhos, música, animes, mangás e muito mais, acesse diariamente o nosso portal
Matéria: Beatriz Henriques