Guillermo del Toro passou mais de duas décadas sonhando em adaptar Frankenstein. Em 2025, o sonho se tornou realidade e o resultado é tudo o que se poderia esperar de um dos cineastas mais apaixonados por monstros da história do cinema.
Em vez de apenas revisitar o terror clássico de Mary Shelley, del Toro cria um poema visual sobre paternidade, culpa e amor, transformando a criatura em um espelho da humanidade. O filme estreou mundialmente na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, antes de chegar à Netflix, e já nasce como uma das obras mais maduras e emocionais do diretor.
Entre monstros e homens: o horror da rejeição
Na trama, ambientada em uma Europa devastada pela guerra, o cientista Victor Frankenstein (Oscar Isaac) desafia as leis da natureza ao criar vida a partir da morte. Seu experimento, concebido como um triunfo da razão, se transforma em tragédia quando a Criatura (Jacob Elordi) desperta e exige do criador aquilo que ele mais teme conceder: amor, aceitação e responsabilidade.
Del Toro preserva o espírito do romance de Shelley, mas altera sua perspectiva: aqui, o terror não vem da deformidade física, e sim da solidão e da rejeição. O verdadeiro horror está na incapacidade humana de acolher aquilo que não entende.
Uma fábula gótica sobre criação e divindade
Del Toro constrói Frankenstein como uma fábula sobre o divino. Os paralelos bíblicos são explícitos, a criatura é crucificada pela eletricidade e renasce entre raios, como um novo messias. A metáfora é poderosa: a criatura é o Cristo rejeitado, o filho amaldiçoado que reflete a arrogância e a fragilidade de seu criador.
A relação entre pai e filho é o eixo do filme, e del Toro a explora em múltiplas camadas, entre Victor e seu pai (Charles Dance) e entre Victor e sua criação. É o retrato de um amor distorcido, nascido da vaidade e condenado pela falta de ternura.
Uma beleza que nasce das sombras
Visualmente, Frankenstein é um espetáculo à altura da assinatura de Guillermo del Toro. A fotografia alterna entre a frieza clínica dos experimentos e o calor trágico da emoção humana, evocando o contraste entre ciência e alma. Cada cenário é grandioso e decadente, como uma pintura viva: há ecos de A Colina Escarlate (2015) e da opulência barroca de A Forma da Água (2017).
O design da criatura é uma fusão perfeita entre horror e humanidade. Jacob Elordi entrega uma atuação comovente, contida, física, quase muda, que traduz o sofrimento de um ser que nasceu para ser rejeitado.
Oscar Isaac, por sua vez, interpreta um Victor Frankenstein arrogante e trágico, movido por uma fé doentia na própria genialidade. Juntos, constroem um duelo: o criador que teme amar e o monstro que só deseja ser amado.
Del Toro e seu amor pelos monstros
Guillermo del Toro nunca filmou monstros como vilões e Frankenstein é sua obra mais terna e pessoal. Como em A Espinha do Diabo e A Forma da Água, ele reafirma a crença de que as criaturas são apenas o reflexo mais puro da humanidade.
É possível entender por que o diretor e o elenco, que inclui Mia Goth, Christoph Waltz e Charles Dance, afirmam que o filme não é exatamente um terror. Ele nasce do terror, mas transcende o gênero: é um drama gótico, uma elegia sobre a solidão e a necessidade de ser visto.
No fim, Frankenstein é o espelho mais honesto de Guillermo del Toro. O diretor é o criador obcecado por dar alma ao inanimado, por transformar dor em beleza. Sua criatura é o próprio cinema, um corpo feito de fragmentos, que ganha vida pela paixão e pela culpa de quem o criou.
Del Toro não faz um filme sobre monstros. Ele faz um filme sobre amar o imperfeito, sobre aceitar que a criação sempre carrega parte da destruição, e é justamente essa melancolia que transforma Frankenstein (2025) em uma obra-prima do cinema gótico contemporâneo.
Frankenstein está disponível na Netflix.