Se você pensa que Pecadores (Sinners, no original) é apenas mais um filme de vampiros, pense de novo. A nova obra de Ryan Coogler, diretor de Pantera Negra e Creed, mergulha em uma narrativa poderosa que mistura terror, música e história, trazendo o blues como arma de resistência em meio ao racismo institucionalizado dos Estados Unidos. O longa chegou aos cinemas na última semana e já é apontado como um dos filmes mais importantes de 2025.
Sinopse: sangue, alma e som no Mississippi
Ambientado no Mississippi da década de 1930, Pecadores acompanha os irmãos Stack e Smoke (interpretados por Michael B. Jordan, em uma atuação dupla intensa) em sua volta à cidade natal para abrir um juke joint – bares clandestinos onde a população negra podia ouvir música e beber durante a Lei Seca.
Mas há um detalhe sombrio: vampiros rondam a cidade. Criaturas sedentas não só por sangue, mas por memória, cultura e pertencimento, em uma alegoria clara ao apagamento histórico da população afro-americana.
Pecadores: Blues, hoodoo e resistência no poder da ancestralidade
Mais do que um pano de fundo, o blues é protagonista em Pecadores. Ryan Coogler e o compositor Ludwig Göransson percorreram o “Caminho do Blues” no Mississippi, visitaram a cidade natal de B.B. King e mergulharam nas raízes do gênero musical. O resultado é uma trilha sonora que embala o filme com força espiritual.
O roteiro faz referência à lenda de Robert Johnson, guitarrista que teria feito um pacto com o diabo para tocar como ninguém. Essa lenda conversa diretamente com o hoodoo, prática espiritual afro-americana presente no longa por meio da personagem Annie (Wunmi Mosaku), responsável por conduzir rituais e proteger os protagonistas com magia ancestral.
Vampiros como metáfora do racismo
Em entrevista recente, Coogler afirmou que “os melhores filmes de terror têm uma visão política”. Em Pecadores, os vampiros representam a supremacia branca e o racismo institucional. O vilão Remmick (Jack O’Connell) lidera uma gangue de criaturas que atacam justamente os centros de cultura negra – como o juke joint dos irmãos protagonistas.
É impossível não lembrar do Ku Klux Klan, explicitamente referenciado no visual e nos atos da gangue. A crítica é contundente, e a metáfora funciona perfeitamente: o apagamento cultural promovido por essas criaturas é um espelho das ações reais de instituições como o FBI sob J. Edgar Hoover, que perseguiram figuras como Martin Luther King, Malcolm X e Sam Cooke.
Estilo visual e sequência inesquecível
A direção de Coogler brilha em uma cena icônica: a primeira apresentação de Sammy (Miles Canton), um jovem músico que faz sua estreia no juke joint. Em um plano-sequência envolvente, passado, presente e futuro se misturam em uma celebração visual e sonora com referências a Prince, Lenny Kravitz, religiões de matriz africana, hip hop, gospel e soul. A música, mais uma vez, é canal de transcendência e resistência.
Pecadores: Final emocionante e homenagem histórica
Sem spoilers diretos, vale dizer que a cena pós-créditos emociona: vemos Buddy Guy, lenda viva do blues, interpretando o próprio Sammy envelhecido nos anos 1990, agora dono de um bar em Chicago. O ciclo se fecha de forma simbólica, ligando o fictício ao real – mostrando como a arte sobrevive, mesmo marcada pelas cicatrizes da opressão.

Pecadores não é só um filme de vampiro. É um retrato potente da história afro-americana, da música como salvação e da arte como memória viva. Coogler entrega um projeto ambicioso, esteticamente arrebatador e socialmente urgente.
Se você é fã de histórias que desafiam o status quo e fazem pensar, Pecadores é obrigatório.