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‘Senna’ é uma produção hollywoodiana nacional

No terceiro episódio da minissérie Senna – disponibilizada pela Netflix no último dia 29 de Novembro –, vemos um garotinho acordando com o alarme de seu rádio relógio à 1:30 da manhã, colocando seu óculos e indo para a frente da TV assistir ao Grande Prêmio do Japão de Fórmula 1. Para quem não vivenciou a época em que Senna correu, talvez não pareça nada demais, mas para quem já foi aquele garotinho no passado, o momento arrepia – como tantos outros mostrados na produção feita pela Gullane Entretenimento, cujo maior mérito foi fazer uma produção nacional com nível de Hollywood.

Senna Além da Velocidade

A série começa por onde nenhum de nós gostaria: o momento em que ocorreu o acidente fatal em 1º de maio de 1994, no circuito de Ímola. Então, somos levados ao passado, onde o ainda menino Ayrton Senna da Silva começa a demonstrar seu amor pelo automobilismo, ao ganhar do pai – “Miltão” (Marco Ricca) – o seu primeiro kart. A partir daí, a história segue uma cronologia linear, mostrando os relacionamentos de Senna (Gabriel Leone) dentro e fora das pistas, tratando de suas batalhas nas categorias de acesso à Fórmula 1, mas também de sua intimidade – tanto amorosa quanto familiar.

No decorrer de cinco episódios (falaremos do sexto e último num momento em separado), conhecemos a história de um garoto ingênuo e carente, mas também obstinado e agressivo quando precisava ser. As amizades, rusgas e amores transitam entre belíssimas montagens de corridas e ganham intensidade quando acompanhamos os anos em que Ayrton disputa os campeonatos de Fórmula 1, onde chegamos ao conturbado relacionamento com o piloto Alain Prost (Matt Mella) – e aqui é quase impossível não traçar (bons) paralelos com o filme Rush – No Limite da Emoção.

Essa viagem pelos anos vividos por Senna no mundo do automobilismo se dá através da repórter fictícia Laura Harrington (Kaya Scodelario), que serve tanto como os olhos do público sobre cada nova conquista do piloto quanto um amálgama de todas as interações que Senna teve com a imprensa durante sua carreira. Apresentando-se como metade britânica, metade brasileira (assim como a própria atriz), Laura rapidamente ganha a simpatia de Ayrton – mesmo quando sua veia jornalística acabava causando conflitos entre os dois.

Descrever aqui todos os momentos abordados em Senna seria chover no molhado (perdão pelo trocadilho), mas em resumo, está tudo lá: o campeonato da Fórmula Ford, o embate da F3, os anos de Fórmula 1 na Toleman, Lotus, McLaren e Williams, além de seus romances – o casamento com a jovem Lilian, o divórcio precoce, e os namoros com Xuxa e Adriane Galisteu. Entre alguns saltos temporais e capítulos que se estendem por quase um dia inteiro, temos uma obra que abrange o lado humano de Senna enquanto nos relembra dos seus grandes feitos nas pistas. O destaque fica para o Episódio 5 – Herói, onde compreendemos a magnitude de Ayrton para o esporte, para a história da Fórmula 1 e, principalmente, para o Brasil.

A fidelidade está nos detalhes

Embora boa parte da minissérie foque nos acontecimentos da vida e da carreira de Senna, é nas tomadas das corridas que a produção surpreende: a fidelidade dos veículos utilizados, as cenas de ação na pista e até mesmo a caracterização dos pilotos e demais personagens acerca do “circo da Fórmula 1” e do núcleo social do protagonista são de tirar o chapéu – menção mais que honrosa para Pâmela Tomé, no papel de Xuxa Meneghel. A trilha sonora escolhida também é um espetáculo à parte, unindo músicas clássicas dos anos 1980 com uma boa dose de rock n’ roll para indicar os momentos mais frenéticos nos autódromos. 

Além dos efeitos (práticos e de CGI), abordar com exatidão momentos históricos que com certeza já estão guardados na mente dos fãs mais antigos de Senna realmente faz a pessoa telespectadora sentir como se voltasse no tempo e visse tudo ao vivo novamente. Frases impactantes, entrevistas, tomadas oficiais da TV junto às imagens criadas pela produção fazem de Senna uma experiência tridimensional.

Isso se faz especialmente importante quando a produção decide se afastar, em pequenos momentos, da vida de Ayrton e abordar a situação em que o Brasil se encontrava na época, indicando as mazelas e dificuldades de um país no fim de uma vergonhosa ditadura militar, o movimento Diretas Já, o reinício de uma democracia e a desigualdade social que, juntos, demonstravam como era importante ao brasileiro ter algo para se alegrar. A cereja do bolo se dá no momento em que outra marca registrada de Senna é exibida: a compaixão e a vontade de ajudar o povo em maior necessidade.

Camarão que marca, a onda leva

Mas nem tudo são flores: ao buscar abordar os dois lados da vida de Ayrton, a produção às vezes peca em focar demais em alguns momentos – o relacionamento com Xuxa, por exemplo – e deixar outros importantes de fora, como a mítica vitória em Donington Park ou a invasão do público após a corrida em Interlagos, ambos em 1993.

Algumas atuações também deixam a desejar, demonstrando-se um tanto forçadas, como a do jornalista e narrador Galvão Bueno (Gabriel Louchard), de alguns coadjuvantes, mas especialmente de Gabriel Leone. É notório que ele estudou os trejeitos de Ayrton, buscou falar como ele, agir como ele, mas em certos momentos o protagonista parece carecer da emoção necessária para fazer o paralelo com o piloto que por muitas vezes pudemos ver em diversas situações – ao vivo ou por gravações antigas.

E apesar do bom trabalho de Kaya Scodelario na pele da repórter, o uso dela como recurso narrativo acabou por ser utilizado de forma exagerada, colocando-a em momentos desnecessários ou até dando mais importância do que deveria.

Por fim, embora seja notória a qualidade de produção, alguns momentos ainda parecem ter sido retirados de alguma novela das seis, deixando a pessoa espectadora num limbo entre ficção, documentário e Vale a Pena Ver De Novo.

Golpe Baixo

No último capítulo, a série volta ao seu início, e mais uma vez é seguro dizer que apresenta algo que ninguém gostaria de (re)ver: somos transportados para o fatídico fim de semana em Ímola, e à medida que a história se aproxima do domingo da corrida, ficamos apreensivos vendo a linha do tempo do player da Netflix, na esperança que falte pouco para o fim do episódio e, assim, não tenhamos que reviver o agoniante momento do acidente.

Entretanto, a produção não se demonstra bondosa, e nos faz revisitar as notícias, o cortejo fúnebre, o sofrimento da família. Mais que isso: finaliza com um vídeo do próprio Ayrton Senna, um clássico depoimento dele com uma das suas célebres falas:

“Seja você quem for, seja qual for a posição social que você tenha na vida, a mais alta ou a mais baixa, tenha sempre como meta muita força, muita determinação e sempre faça tudo com muito amor e com muita fé em Deus, que um dia você chega lá. De alguma maneira você chega lá.”

Conclusão

Apesar de alguns problemas de narrativa, continuidade e até mesmo de atuação, Senna finalmente entrega ao público uma produção nacional que honra o legado de Ayrton Senna. Mais que isso: mostra a capacidade técnica que o audiovisual brasileiro alcançou nos últimos tempos, sem deixar a desejar para nenhuma produção gringa.

Muito do que é retratado durante os seis episódios é ficção, menos tudo o que o lendário piloto fez em pista – e aqui, caso realmente fosse uma obra de ficção, aí sim pareceria que o roteiro foi “forçado demais”. Essa incredulidade dos feitos de Senna atrás do volante é a prova que a entidade Ayrton Senna – além do homem, do profissional e de seu legado – realmente merece ter sua história sendo contada de forma honrosa e coesa para a posteridade, e ainda bem que a Gullane, junto à direção de Vicente Amorim e Julia Rezende e ao roteiro de Álvaro Campos, Gustavo Bragança, Rafael Spínola, Thais Falcão e Álvaro Mamute, foi capaz de nos propor uma homenagem tão bem arquitetada.

Assistir às cenas das corridas em Senna é uma volta ao passado, da época onde uma criança não se importava de privar seu valoroso sono para acordar de madrugada e assistir seu herói dando voltas em um autódromo do outro lado do mundo. Assistir o que ocorreu na vida de Senna além das pistas, é saber que, sempre que alguém parou em frente à TV no domingo de manhã para vê-lo correr, independente do resultado, foi um domingo que valeu a pena, pois o homem Ayrton Senna merecia essa atenção.

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