A Substância (The Substance), novo longa da diretora Coralie Fargeat (Revenge), é mais do que um filme de terror, é uma autópsia cruel da sociedade que exige juventude eterna das mulheres e descarta o que não brilha.
Com Demi Moore e Margaret Qualley em atuações brutais e complementares, o filme mergulha no horror corporal e psicológico, explorando o medo universal de envelhecer em um mundo obcecado pela aparência. A protagonista, Elisabeth Sparkle (Moore), é uma ex-celebridade da TV que, após ser substituída por uma apresentadora mais jovem, vê sua vida desabar.
Quando lhe oferecem um tratamento experimental chamado The Substance, que promete criar uma versão rejuvenescida de si mesma, ela aceita sem imaginar que o processo a dividirá literalmente em duas.
Duas mulheres, um mesmo corpo
A partir do experimento, surge Sue (Margaret Qualley), a nova Elisabeth, o reflexo jovem, vibrante e perfeita que o mundo deseja. As duas devem revezar o controle do corpo, alternando períodos de existência conforme regras rígidas. Mas quando Sue ultrapassa seus limites e decide ocupar o corpo por mais tempo, a simbiose se transforma em parasitismo, e a experiência desaba em um pesadelo de sangue, pele e ego.
O filme pergunta: o que acontece quando a mulher ideal que você criou decide te matar?
A Substância subverte o mito da “nova versão de si mesma”, transformando o desejo de renovação em um ciclo de autoaniquilação. É um filme sobre envelhecer em um sistema que chama isso de fracasso.
O horror como metáfora social em A Substância
Coralie Fargeat transforma o body horror em instrumento de crítica. Sua direção é meticulosa, usando o grotesco como linguagem política, cada pedaço de carne, cada deformação, é um comentário sobre como a mídia, a medicina estética e a indústria do entretenimento moldam a identidade feminina.
Visualmente, o filme é deslumbrante e repulsivo em igual medida: tons de vermelho, textura viscosa e enquadramentos de precisão quase cirúrgica. A estética é controlada e excessiva e é nesse contraste entre glamour e putrefação que A Substância encontra sua força.
Fargeat insere a tradição do horror de David Cronenberg e Julia Ducournau, mas com uma assinatura própria: o olhar é feminino, e o terror vem não da monstruosidade em si, mas daquilo que a sociedade chama de “melhor versão de você”.
Um novo marco do horror contemporâneo
Vencedor do Prêmio de Melhor Roteiro no Festival de Cannes 2024, A Substância é uma das obras mais ousadas da década. É um filme que transcende o gênero para discutir identidade, ego, envelhecimento e autoimagem, com coragem e brutalidade raras no cinema atual.
É repulsivo, poético e necessário, um lembrete de que, em uma sociedade que idolatra a juventude, o verdadeiro horror é ser esquecida.