Os vampiros nunca saem de moda. Eles apenas trocam são reinventados de século em século, às vezes, até de gênero. Do monstro medieval ao símbolo da liberdade, a imagem do vampiro sempre está presente no nosso imaginário.
A fome que nunca acaba
Por mais de duzentos anos, essa criatura tem invadido livros, filmes e séries, alimentando nossos medos, desejos e obsessões sombrias. Cada geração parece ter o vampiro que merece e, convenhamos, o nosso anda mais existencialista do que assustador.
A versão mais recente dessa linhagem aparece em Enterrem Nossos Ossos na Terra da Meia-Noite (2025), de V.E. Schwab. Aqui, as mulheres trocam a mortalidade pela autonomia. As vampiras de Schwab não são condenadas pela escuridão; elas a dominam. Esqueça o príncipe das trevas agora quem manda é a rainha do caos.

A primeira sede de poder e o desejo de Stoker
Tudo começou com um homem real, e nem era tão sexy assim. Vlad III da Valáquia, o famoso Vlad, o Empalador, usou o terror como estratégia militar no século XV. O apelido “Drăculea”, filho do dragão, virou sinônimo de horror. Anos depois, a literatura transformaria seu legado em algo muito mais sedutor e infinitamente mais lucrativo: Drácula.
Quando Bram Stoker lançou Drácula em 1897, a Inglaterra vitoriana vivia entre o pudor e o pânico moral. O vampiro era o que ninguém podia dizer em voz alta: desejo, repressão e curiosidade pelo proibido. O conde não apenas mordia ele seduzia. E, no fundo, a vítima parecia querer aquilo.
Stoker transformou o medo em metáfora. Seu vampiro não representava só o mal estrangeiro, mas tudo o que a sociedade preferia esconder. Sexo, doença, decadência. Um clássico que até hoje dá um charme sombrio e define o mito.
Poetas, pecado e parasitismo criativo
Muito antes de Stoker, os poetas românticos já tinham notado o poder simbólico do vampiro. Byron e Keats viam na criatura um espelho do próprio artista, aquele que suga emoções para criar. Um predador emocional com pretensões literárias.
Décadas depois, o crítico James Twitchell descreveu o vampirismo como um drama psicológico: uma mistura de desejo, medo e culpa. Um tipo de intimidade proibida erótica, mas segura, porque, bem, você já morreu no processo.

De Carmilla a Buffy: Quando elas dão o troco
O folclore e a ficção logo viraram o jogo. Em Carmilla (1872), de Sheridan Le Fanu, o vampiro ganhou um novo rosto e ele era feminino. Essa mudança foi revolucionária: a mulher não era mais vítima, mas a própria caçadora. De Theda Bara a Buffy Summers, a vampira passou a ser o símbolo do poder e da autonomia.
A mordida deixou de ser uma punição e virou escolha. Em um mundo onde homens comandavam o terror, essas mulheres decidiram ser o terror.

Anne Rice e o Vampiro existencial
Nos anos 1970, Anne Rice fez o impensável: deu alma aos mortos-vivos. Entrevista com o Vampiro trouxe criaturas melancólicas, cheias de culpa, amor e filosofias irresistíveis. Lestat e Louis não queriam dominar o mundo, só entender por que ainda existiam. Era o vampiro existencial, refletindo os traumas de uma era pós-Vietnã.
Se Drácula representava o medo da contaminação, Rice trouxe a dúvida sobre a própria humanidade. Seus vampiros eram sensuais, ambíguos e profundamente humanos. Não à toa, conquistaram leitores de todas as idades e redefiniram o que era “sexy sombrio”.

De Crepúsculo ao empodeiramento
Chegamos ao século XXI, onde o vampiro virou fenômeno pop. Crepúsculo transformou o terror em romance adolescente. De monstros amaldiçoados a amores imortais.
Hoje, autoras como Schwab, Angela Carter e Octavia Butler usam o mito para falar de autonomia, trauma e poder feminino. O vampiro deixou de ser símbolo do medo masculino e virou metáfora da libertação. Ele não domina mais, ele questiona.
O Verdadeiro Segredo da Imortalidade
Da Valáquia a Hollywood, o vampiro sobreviveu porque entende o jogo. Ele muda de forma, de discurso e de propósito. Cada época o reinventa conforme seus próprios medos.
No fim, a imortalidade não está no sangue está na reinvenção. O vampiro é o espelho da humanidade: reflete tudo o que tememos, desejamos e fingimos não querer. E enquanto houver escuridão e desejo, sempre haverá alguém disposto a abrir a janela para ele entrar.