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Chants of Sennaar: o puzzle game que realmente te faz pensar – Review

Chants of Sennaar foi eleito o game do ano na Gamescom Latam de 2024, e só ao jogá-lo que é realmente possível compreender os motivos dessa acertada premiação.

Desenvolvido pela humilde RUNDISC, estúdio indie de games situado na França, Chants of Sennaar vale-se da história bíblica da Torre de Babel (inclusive, Sennaar é a referência grega da região onde a Torre teria sido construída, na antiga Mesopotâmia). A premissa é simples: o personagem principal acorda na base da torre, sem saber exatamente de onde veio e o motivo de estar lá. A fim de avançar no caminho que tem à frente, acaba se encontrando com membros de um povo cuja lingua é diferente da sua. Aos poucos, você, pessoa jogadora, precisa aprender o idioma através de pistas e relações, enquanto passa por intrigantes e divertidos quebra-cabeças para avançar. A cada nível da torre, um novo povo é encontrado, com suas próprias regras de linguagem e forma de expressar.

A pluralidade de idiomas e culturas

A princípio, Chants of Sennaar parece bem linear: basta aprender os símbolos de cada povoado e anotar no seu caderninho para saber como compreendê-los. Porém, após a primeira hora de jogo, essa simplicidade cai por terra. Existem povos que valorizam a paz, outros que preferem a guerra, a arte ou a ciência. E os próprios glifos de cada povo possuem traços que indicam as características culturais deles – enquanto a escrita do povo combatente é feita de elementos de ângulo reto, a fluidez dos glifos do povo científico quase parecem fórmulas ou representações atômicas.

Ademais, aprender mais de um idioma no game não é simplesmente relacionar um símbolo que tem significado igual a outro: cada povo tem uma estrutura linguística diferente, assim como no mundo real: às vezes o verbo vem antes do sujeito, já em outro idioma vem depois; uma linguagem utiliza pontuação no início e no fim da frase para indicar pergunta ou negação, enquanto outra duplica um glifo para indicar que se trata do plural. Também há muitos elementos interpretativos, que dependem dos movimentos, da entonação e postura dos membros de cada povo.

Quem se comunica, se trumbica

As diferenças linguísticas citadas acima ganham seu ápice no momento em que o personagem principal do game precisa fazer a vez de “tradutor simultâneo” em conversas entre membros de povos diferentes, a fim de resolver problemas que um povo está enfrentando e o outro possui o conhecimento necessário para resolvê-lo. É aqui que o jogo se torna realmente interessante: ele deixa de ser um puzzle game que te faz pensar logicamente nas soluções que precisam ser encontradas e começa a te fazer pensar a respeito da importância da comunicação como ferramenta de encerramento de conflitos e aproximação de pessoas.

Por fim, alguns elementos do trecho final do game ainda nos mostram o que a alienação pode causar a um povo, inclusive apresentando paralelos com nossa realidade atual.

Jogabilidade e gráficos

Pensando na jogabilidade para PC, talvez uma das poucas falhas em Chants of Sennaar dá-se na exploração dos mapas: sendo um jogo de point-and-click (e “point-and-hover“), navegar pelos caminhos apresentados às vezes torna-se frustrante – principalmente em alguns momentos onde há um senso de urgência e é necessário percorrer os caminhos com rapidez e precisão. Talvez permitir o uso das setas ou do famoso WASD como alternativa ao mouse seria uma boa escolha. Já para os consoles (ou uso de controle no PC), é possível usar o direcional para se mover.

Ainda assim, jogar no PC te dá a facilidade de digitar as possíveis traduções para cada glifo, ajudando a compreender os diálogos e textos com mais precisão antes dos momentos onde o personagem consegue descobrir com certeza o significado de cada símbolo. Nos consoles, é necessário usar o modo “catar milho”.

Sobre a dificuldade, é esperado de um puzzle game que nada seja dado de mão beijada, mas também não necessariamente precisa despertar raiva a quem está jogando. Nesse ponto, Chants of Sennaar pode até frustrar, mas há um mérito muito grande dos desenvolvedores em criar mecânicas muito intuitivas para desvendar tanto as traduções quanto os quebra-cabeças do game. Logo, zerar Chants of Sennaar sem ajuda ou pesquisas no Google pode até ser comum, mas de forma alguma indica que o jogo é fácil – precisa ser motivo de orgulho para quem conseguir tal façanha.

Por fim, os gráficos podem ser considerados simples, no estilo de jogos como FORECLOSED e Stray Gods, e uma visão simulada 3D (como os primeiros Diablo), mas funcionam muito bem para a proposta de Chants of Sennaar, principalmente porque a paleta ganha mais contrastes entre as cores, facilitando a visualização de componentes importantes tanto para os puzzles quanto para compreender os glifos dos idiomas.

Conclusão

Em um um mundo completamente globalizado digitalmente, onde uma pessoa do Brasil tem, em um clique e alguns caracteres, o poder de se comunicar (ou xingar) um morador da Tailândia, temos diariamente exemplos de falta de comunicação e interpretação que causam conflitos, e poderiam ser facilmente resolvidos (ou sequer acontecido) caso a conversa fosse feita de forma mais assertiva – mesmo utilizando o mesmo idioma.

Esse é o ponto da genialidade de Chants of Sennaar: um puzzle game simples, divertido e viciante, que utiliza como base uma história que, em teoria, ocorreu dezenas de milhares de anos atrás, e ainda assim consegue apresentar estigmas da nossa sociedade atual de forma didática. Mereceu todas as indicações e premiações que recebeu. E se você não acredita ou atiçou sua curiosidade, fica o convite para testar por si mesmo: Chants of Sennaar está em promoção na Steam até o dia 05 de agosto de 2024. Confira aqui.

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