Checkpoint é uma coluna quinzenal onde são debatidos aspectos relevantes dos jogos. Esta quinzena o debate será sobre a evolução do lore de League of Legends, seu estado atual e os limites da representatividade.
Está virando comum (e eu particularmente estou gostando) descrever como cheguei na ideia do tema da coluna Checkpoint. Bem, dessa vez foi algo como bilhar, um acontecimento levou a outro até o tema final, o começo foi o acontecimento político na Turquia que trouxe Sylas, o personagem de League of Legends, como uma figura revolucionária. Isto invariavelmente me fez refletir sobre os personagens, do querido (às vezes nem tanto), lolzinho. Me peguei refletindo sobre as personalidades, características e tudo que constrói os personagens do jogo, pensei sobre os aspectos que tornam esses personagens vivos e relevantes com seus ideais e mentalidades distintos. Logo, debater sobre a evolução do lore de League of Legends, seu estado atual e os limites da representatividade se tornou o objetivo final desta matéria. Viu, como disse, um jogo de bilhar.
Revolta política na Turquia e Sylas
Como dito anteriormente, a ideia de escrever sobre a lore de LoL partiu das revoltas políticas que aconteceram na Turquia na sexta-feira (21). Sem adentrar profundamente em questões políticas, mas explicando brevemente o ocorrido, houveram manifestações motivadas pela insatisfação de parte da população com a prisão do prefeito de Istambul, Ekrem Imamoglu, que foi acusado de corrupção e terrorismo. O prefeito é inclusive rival político do atual presidente, Tayyip Erdogan, que vem sofrendo pressões políticas nos últimos meses. Os protestos envolveram confrontos de manifestantes contra a polícia em várias cidades turcas, inclusive na capital. O que importa a essa matéria é o fato de manifestantes usarem cartazes com fotos e frases de Sylas, personagem de League of Legends, como forma de protesto.
O mago renegado demaciano é considerado uma figura de resistência. Afinal, sua lore conta que este foi preso simplesmente por possuir poderes mágicos, o que em Demacia é um crime imperdoável. Após anos na prisão, o mago orquestra uma fuga que deixa a capital Demaciana em estado de caos. Sua fuga é um sucesso e ele constrói um grupo de resistência que luta pela libertação de magos que estão presos pelos demacianos. Sylas se torna uma figura de resistência que utiliza quaisquer meios necessários em busca de liberdade.
Esta atitude influenciou a comunidade gamer turca a utilizar Sylas como uma figura revolucionária, fazendo cartazes com sua foto e frases marcantes.
Em um dos cartazes está a seguinte frase: “Aqueles que esperam ser salvos, não merecem ser salvos”.

Além dos cartazes, a comunidade gamer nas redes sociais também apoiaram o movimento, como é o caso do técnico da equipe Arkhe que alterou sua foto de perfil para a de Sylas e postou o seguinte:
“A pátria não é a pátria daqueles que a venderam pedaço por pedaço, mas daqueles que foram para a forca por ela. Abaixo à tirania, viva a liberdade!”

A construção de personagens de League of Legends
Esta foi a primeira vez que um personagem de League of Legends é transportado para o mundo real para representar uma ideia, uma convicção. Isto somente é possível pela grande complexidade que os personagens do jogo possuem.
Ao longo do tempo o LoL evoluiu, não somente como jogo, mas todo o seu universo. A Riot Games entendeu o quão grandioso era o produto que ela tinha em mãos e começou a dar a devida atenção a todo seus aspectos, entre eles a sua história. Para qualquer jogador que se interesse por este aspecto de LoL, há um entendimento mútuo que a história deste universo foi deixada de lado e tratada sem importância durante muito tempo. A história de vários personagens era extremamente simples, praticamente um “tapa buraco”, não havia profundidade ou ligações mais fortes à estrutura deste universo conhecido como Runeterra. Felizmente, a Riot mudou isso ao longo do tempo, ao contratar diversos roteiristas que reformularam a história deste universo para criar algo realmente significativo.
Este momento de reestruturação foi longo, pois diversos personagens tiverem suas histórias remodeladas do zero, tendo o seu antigo passado apagado e refeito, como é caso de Varus, por exemplo. Isto foi necessário pois o que havia sido criado até então era ruim e desconexo o suficiente para ser praticamente impossível de ser reaproveitado. A reconstrução passou por fases, e as novas IPs da Riot Games ajudaram demais neste processo, como é o caso de Legends of Runeterra, o card game de League of Legends. O jogo criou diversas cartas que nasceram de personagens secundários e terciários deste universo. E é comum em jogos de carta uma descrição falando um pouco sobre a carta, uma história para as personagens além dos campeões se tornou um requisito. Esta necessidade abriu as portas para criar o mundo de Runeterra, foi preciso dar vida ao resto dos seres que vivem à parte dos campeões renomados.
As histórias foram criadas e o mundo ganhou vida a um nível onde os campeões tiveram que interagir com este universo, dando assim mais vida e presença de espírito a essas figuras. Outro ponto crucial foi os jogos da finada Riot Forge, a publisher que, ao fazer parceria com jogos indie, criou várias histórias específicas de campeões e regiões até então não visitadas por meios oficiais. Como é o caso de The Mageseeker que conta a história de Sylas.
A última novidade que incrementa ainda mais este cenário é o novo investimento da Riot Games, suas animações. Arcane foi um sucesso mundial incontestável, a obra apresentou Runeterra a milhões de pessoas que nunca abriram o launcher de LoL em suas vidas. A história que circunda Jinx e Vi apresenta tantas outras personagens, assim como as cidades de Piltover e Zaun. Hoje, a história do jogo se tornou um case de sucesso, onde há um exemplo de algo bem construído com personagens significativas.
Figuras Icônicas
Sylas ser usado como símbolo de resistência, faz sentido para além de sua lore. Em Runeterra, os campeões são os personagens que mais se destacaram e foram escolhidos para serem utilizados como ferramentas nos campos da justiça por nós, os invocadores. Apesar de algumas dessas terminologias terem caído em desuso, os campeões continuam sendo as figuras mais importante de Runeterra, sejam por serem admirados, odiados, temidos ou amados. Suas figuras são imponentes e representam algo além de um grupo de habilidades passivas e ativas. Ideais e motivações partem de uma construção de personagem que foi fruto de anos de trabalho por parte dos desenvolvedores, os frutos agora estão sendo colhidos, seja para o bem ou para o mal.
“Para o bem ou para o mal” é um ponto importante, pois, sem fazer juízo de valor sobre a revolta na Turquia, Sylas foi utilizado como uma figura revolucionária. Porém, há figuras em League of Legends que representam o que há de pior na humanidade, afinal, qualquer jogo precisa de seus vilões. Um exemplo, seria o caso da Vayne, uma das maiores racistas de toda a Runeterra. Tenho receio de essa “moda” pegar e os campeões, as vezes adorados, as vezes odiados em um jogo de computador, se tornem símbolos das tendências mais hediondas possíveis.
Infelizmente isto já ocorre com outras obras da cultura geek e pop, como é caso da máscara do V de Vingança, o símbolo do Justiceiro ou a máscara dos personagens de Call of Duty. Logo, League of Legends, que possui mais de 200 personagens no seu cast, que contam diferentes backgrounds, ideais e convicções, possui o campo perfeito para os mais diversos movimentos, afinal personagens eugenistas e racistas são relativamente comuns em Runeterra. A solução para isso? Definitivamente não há. Não é possível parar de construir os vilões por que eles podem ser utilizados como bandeira para algum movimento hediondo. E não é esse o debate que estou propondo, o que quero dizer é que agora é preciso de um posicionamento. A Riot Games precisa deixar claro neste momento seu posicionamento e, caso seja do desejo dela, desvincular a imagem de seus personagens de todo tipo de movimento. Até por que, não é possível saber o que será feito com os personagens que os jogadores possuem apreço.
A última impressão deixada é de espanto. É incrível ver até onde a influência de League of Legends chegou, porém, os limites estão pertos de serem ultrapassados. A prudência me parece necessária neste momento.
Por último, quero deixar claro que não sou o dono da verdade, apenas estou expondo minha visão sobre assunto e tu tens todo direito de discordar. Aliás, qual sua opinião sobre o assunto? Escreva aqui em baixo, nos comentários.
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