Metaphor: ReFantazio é o mais novo jogo da Atlus, desenvolvedora e publisher de jogos japonesa. O jogo é o mais novo JRPG do estúdio, famoso por jogos do gênero, como a famosa franquia Persona entre outras. Metaphor: ReFantanzio utiliza a mecânica de batalha por turnos para contar uma jornada épica de um monarca ascendendo ao poder.
A obra apresenta um JRPG de batalha por turnos, a mecânica clássica do estúdio é remodelada com características únicas para diminuir combates desnecessários e dar espaço para contar a jornada do protagonista. O foco da obra é a jornada e suas significações que estão diretamente ligadas ao ideal monárquico da idade média. A Atlus apresenta o jogador como um rei em todos os sentidos possíveis, e para isto ela constroi um bastião do que é correto e bom, e faz isso de forma épica.
A nação precisa de um novo rei, este será decidido conforme a magia do antigo rei e para isso uma disputa de popularidade pelo coração do povo é necessária. A disputa apresenta diferentes personagens neste mundo de fantasia, as diferentes pessoas são divididas em diferentes raças com diferentes ideais, e esta é a disputa mais básica. Os ideais se confrontam e atos hediondos são realizados, o ponto é que atrás de cada ato há interesses, desejos e por vezes justificativas. Há personagens que personificam o mal, que por vezes é apresentado através de uma atitude autoritária, enquanto há outros que praticam o mal por serem induzidos a tal, que no final funciona como uma tentativa de se distanciar de um maniqueismo. Maquinações e esquemas são realizados e pessoas são utilizadas para cometer crimes, estas pessoas são culpadas mas até onde? A obra apresenta claramente o debate sobre a culpa e responsabilidade, é possível estar errado e ser julgado mesmo que o ato ocorra a partir de coerção? Fato é que nada em Metaphor é tão simples quanto parece, vilões como Louis e outros possuem motivos, enquanto outros como Forden são apenas personificações do mal.
Ainda nesta ideia da complexidade deste universo junto a ideais de diferentes pessoas, há a presença dos personagens que são passíveis de interação. A relação do protagonista com cada um destes deve ser desenvolvida, e uma história rica acerca da vida de cada um deles é revelada. Esta mecânica foi herdada do Persona e trazida como uma ferramenta de construção de mundo e da própria concepção do monarca, já que estes estes personagens estão diretamente ligados com os arquétipos que são personificações dos reis herois de um “reino distante”. Além disso, os arquétipos das diferentes classes estão relacionados a ideais e motivações além do enfrentamento das adversidades e superação através da perseverança e empenho, bem nobre não?!
Esta ideia de arquétipos que consequentemente trazem um ideal de nobreza é um dos principais pontos do jogo. Diversos elementos além dos arquétipos tentam construir o que seria o papel do monarca. As virtudes são um destes elementos, afinal a ideia de aristocracia, ou seja, a nobreza na ideia média estava diretamente ligada à ideia de virtude. O nobre era nobre por ser virtuoso, ele era mais corajoso, tolerante, criativo, eloquente, etc. A Atlus faz esta ligação do ideal de nobreza logo após o plot da verdadeira identidade do protagonista, onde o arquétipo final do protagonista é desbloqueado. Após este momento, conforme as relações com os outros personagens jogáveis são desenvolvidas e as virtudes atingem o nível máximo, os arquétipos nobres dos outros personagens são revelados. Então, o poder dos arquétipos que está ligado a motivações e convicções é associado às virtudes para enfim os arquétipos nobres, literalmente, serem despertados. A partir deste momento o protagonista possui todas as características de um rei e seus aliados são nobres por direito.
Em relação a disputa, que é um dos cernes da obra, a briga de convicções é protagonizada pelos ideais do príncipe x os ideais de Louis. Enquanto Louis deseja tornar sua visão de mundo real, onde as desigualdades de raças são superadas pela força, mais precisamente a ideia é que não importa a raça ao qual a pessoa pertença, desde que ela seja forte, ela terá um espaço no mundo de Louis, já o príncipe deseja um mundo onde o auxílio mútuo ocorra, a ajuda solidária ao próximo seja algo natural, logo as diferenças de raças serão superadas através do entendimento e compreensão do outro. A primeira visão, a do vilão, é voltada a um certo individualismo, enquanto o protagonista visa um mundo coletivista onde a vontade da maioria deva se sobressair, um mundo alá rousseau.
Esta disputa de convicções conversa diretamente com a realidade contemporânea, onde visões políticas se chocam e caminhos diferentes são decididos pelos governantes, que teoricamente expressam o desejo da maioria através do processo democrático. A magia real cria um ambiente “democrático” em meio a uma realidade de monarquia absolutista onde a igreja tem um poder demasiado. O cenário não é constituído somente pela construção do ideal de nobreza, a premissa do enredo encena uma leitura fidedigna de uma idade média europeia. Mas ainda há elementos que se comunicam diretamente com a contemporaneidade, como um suposto sistema democrático de embate de ideais políticos civilizatórios.
Ainda na ideia de comunicação com o contemporâneo, há toda a premissa de teoria da magia que parte para um lado bem diferente do convencional. A magia não surge do mana presente na natureza ou algo do tipo, ela surge das emoções, mais especificamente da ansiedade. A ansiedade gera o magla, uma energia latente que deve ser controlada para se transformar em magia, a forma de controlar o magla é confrontar e controlar a ansiedade. Esta proposta obriga os habitantes do cenário de Metaphor: ReFantazio a confrontar aquilo que os assola, e isto é necessário para inclusive os manter sãos, afinal o magla descontrolado pode transformar as pessoas em monstros, os famosos humanos. Metaphor ressignifica um dos maiores problemas contemporâneos que assolam a humanidade, a ansiedade de um mundo pós-moderno onde a cobrança exacerbada chega ao extremo causando crises e doenças crônicas. Enfrentá-la e lidar com ela é necessária, caso isto não ocorra virar um “monstro” poderá ser um fim, assim como em Metaphor, não é fácil lidar com a situação, porém é necessário. E assim como a situação pós-plot, não há objetos míticos ancestrais para nos ajudar a lidar com estes elementos fundamentais da existência humana.
Um último ponto que é importante citar é a relação entre utopia x realidade. A obra trabalha, não importando o ideal de qual personagem está em jogo, com a ideia de utopia. Todos os que almejam o trono pretendem impor sua visão de mundo de alguma forma, porém o protagonista e Louis tem uma visão utópica que precisa de mudanças estruturais na sociedade para serem executadas. Invariavelmente, eles aplicam a teoria marxista de práxis em suas atitudes, ou seja, ambos tomam decisões e atitudes para tornar a sua ideia de utopia realidade. A mudança de realidade a partir de alterações estruturais parece um sonho distante, porém os portadores do livro de More veem como importante esta alteração de status quo e farão o que for necessário para isso, uma ruptura será necessária e as medidas para que a utopia seja alcançada são tomadas por ambos.
A jogabilidade proporciona vivenciar este ambientes através de um desafio considerável, afinal, mudar o mundo não pode ser muito fácil. As batalhas são conduzidas a partir do auxílio dos companheiros, onde cada um tem uma função a desempenhar, o que é corroborado pela construção dos diferentes aspectos que cada um apresenta. O jogo não faz o jogador perder tempo, as batalhas fáceis são resolvidas prontamente com o combate rápido que está relacionado ao sistema de cores e a diferença de nível dos monstros em relação ao jogador. A jornada épica precisa de um combate épico mas que também é facilitado e automatizado para aqueles que desejam se focar na história. Metaphor pretende contar uma história e sua jogabilidade pretende agradar uma grande parcela de jogadores, logo ela é diversa, seja para quem deseja se desafiar, seja para o jogador casual.
Concluindo, Metaphor: ReFantazio tenta a todo momento comunicar com realidades históricas do nosso mundo. A quebra da quarta parede vai além do que é mostrado explicitamente, ela está relacionada com ações, teorias e situações. O aspecto da fantasia é utilizado para debater situações e pontos críticos da nossa realidade, e toda a ideia de fantasia é trazida como arcabouço de algo maior, afinal, a fantasia nos permite sonhar, criar realidades onde as teorias possam ser postas a prova. O sonhar da fantasia é importante para nos tirar do fatalismo e nos levar a um possível mundo ideal, que parece impossível mas é desejado, e segundo Metaphor é possível ser alcançado, basta não desistir e lutar.
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