Mullet MadJack é o primeiro jogo da Hammer95, estúdio brasileiro de desenvolvimento de jogos sitiado em Porto Alegre, RS. O jogo apresenta um FPS roguelike cyberpunk com um estilo de anime dos anos 90. A sátira e a jogabilidade frenética ditam o rumo da obra e a tornam espetacular.
A obra propõe um FPS frenético dividido em fases e capítulos, entres estes momentos o elemento de roguelike é inserido tornando a run, de 10 fases que completam 1 capítulo, algo singular. Para complementar, a ideia do jogo é se remeter aos clássicos jogos retrô enquanto apresenta novidades, para isso, há o cyberpunk como característica principal da história e da estética. Aliado a ele, o estilo de desenho dos anos 90 invoca nostalgia ao tempo que caracteriza a obra como diferenciada para os indies modernos.
Em relação à história, Mullet MadJack apresenta um contexto interessante de um futuro distópico Cyberpunk. Algumas obras deste subgênero da ficção dificilmente encarnam a principal problemática que ela aponta, a crítica ao capitalismo. Cyberpunk antes de ser uma degradação pela tecnologia é uma degradação do capitalismo como sistema econômico que leva a população ao estado “punk”. A obra encarna isso através da sátira a diversos elementos constituintes deste cenário. O primeiro que é apresentado são os humanos que tem seu corpo e mente ligados à internet, com isso o entretenimento virou parte fundamental da sobrevivência desta nova espécie. É necessário dopamina para continuar vivo, por isto likes são essenciais para uma vida longeva. Os robôs controlam todo esse sistema, logo os humanos viraram subservientes à nova raça dominante.
Através do plano de fundo apresentado acima é possível conhecer Jack, o protagonista que precisa salvar a “princesa” sequestrada pelo chefão, uma premissa simples que faz ode aos clássicos. A princesa que precisa ser salva chama-se “Influencer” e tem mais de 2 bilhões de seguidores nas redes sociais. Para salvá-la, Jack precisa do apoio da Piece Corporation, uma corporação de entretenimento que busca humanos que aceitem o papel de Moderadores. Este papel reduz a vida da pessoa para 10 segundos e conforme os espectadores do show veem novas mortes, doações de likes são feitas e o Moderador ganha mais tempo de vida. Está dada a premissa da obra, avançar perante os inimigos robôs para salvar a princesa tendo somente 10 segundos de vida.
O jogo se divide, no modo história, em 9 capítulos, cada um possuindo 10 fases. A duração das fases variam de 30 segundos a 1 minuto, obviamente se o jogador morrer na 9° fase ele terá que retornar no checkpoint, no começo do capítulo. Ao concluir cada fase o jogador escolhe entre certas melhorias que formam sua build naquela run, a cada capítulo estas melhorias são resetadas, assim como também são resetadas quando o jogador morre, este é o elemento de roguelike da obra. As melhorias influenciam tanto nas armas, quanto no personagem e no cenário. Além dessas melhorias temporárias há as melhorias permanentes que são selecionadas ao progredir entre os capítulos, elas alteram substancialmente algumas características do jogo, como ao morrer poder salvar uma das melhorias e continuar utilizando-a na próxima run ou mesmo evoluir o nível das armas disponíveis para escolha durante a mudança de fases. O roguelike, por conta de sua característica de rejogabilidade, fornece novos modos de se experimentar a mesma situação, por isso não é incomum refazer o modo história da obra. Porém, isto só é comum em obras incríveis e divertidas, este parece ser um dos casos em que isto é possível.
Uma característica fundamental da obra é a crítica satírica ao capitalismo por meio da estética cyberpunk. A crítica é extensa e sutil, ela se estende sobre as novas características do ser humano modificado pela internet com a necessidade de dopamina para sobreviver. Assim como, anuncia mais uma vez o domínio das máquinas perante o homem, através dos “robolionários”. A sutileza da crítica está em detalhes como o adesivo escrito “consume” que está colado no carro de Jack e na bota. Inclusive a própria bota é uma crítica, pois ela é o prêmio da Peace Corp para o Moderador por ter superado os desafios e resgatado a Influencer. Os detalhes importam em Mullet MadJack, eles que tornam o humor aparente em uma crítica contundente.
A progressão na obra é boa e consegue deixar o jogador engajado durante toda sua duração. Isto ocorre pela equilibrada e constante entrega de conteúdo para o jogador, o escopo da obra cresce a cada capítulo tornando tudo mais divertido e desafiador. A cada capítulo, novas melhorias para Jack são desbloqueadas enquanto novos inimigos são adicionados junto a novas mecânicas para as fases. Este complexo que é adicionado enriquece o jogo e o altera o suficiente para tirá-lo da repetitividade enjoativa. Os inimigos necessitam de serem combatidos de diferentes formas, assim como o cenário precisa da adaptação do jogador para ser conquistado, as mudanças são essenciais para a dinâmica característica do roguelike. É difícil enjoar de Mullet MadJack com a excelente proposta de progressão apresentada.
O jogo é frenético. Sua frenesi vai além da necessidade de ser rápido, a obra exige principalmente que o jogador possua ritmo. Pode parecer que não, mas 10 segundos parecem bastante tempo em Mullet MadJack, neste tempo é possível pensar em como avançar pelos inimigos, cenários e obstáculos. Nada é rápido o suficiente para que não seja possível raciocinar sobre o que está acontecendo. Com poucos minutos de jogo é possível se acostumar com o cenário colorido e identificar o ritmo necessário. Obviamente que a cada novo capítulo com novos inimigos e desafios o ritmo se altera, porém é através de desvendá-lo e acostumar-se com ele que o jogador consegue conquistar as fases. Ao se conectar com o ritmo certo uma sensação de sincronia indescritível é obtida, vale a pena experimentar.
Esteticamente a obra é deslumbrante, o cenário cyberpunk estilo anime resgata a memória de obras clássicas ao tempo que diverte com sua sátira categórica. Ainda tem-se uma trilha sonora fantástica que dá vida a tudo que está sendo apresentado. Por fim, a mais recente dublagem brasileira ficou simplesmente fantástica, a ideia foi incorporada pelos dubladores fazendo o mundo da obra melhor do que já era. Em questões de estética e arte, o trabalho da Hammer95 é impecável.
Concluindo, Mullet MadJack é fantástico. A obra que passa uma ideia de homenagem aos grandes clássicos dos desenhos e dos jogos, perpassa essa barreira e cria algo único. Conceitualmente não há nada de surpreendente, mas a união do gênero roguelike com estas características estéticas nunca foram feitas antes, a obra inaugura uma ideia esplêndida. Ainda há uma crítica taxativa ao capitalismo através da verdadeira incorporação do gênero cyberpunk com suas ambiguidades precursoras. O genial é que a crítica é apresentada por meio da sátira, o que além de deixá-la mais sutil também passa uma ideia de zombeteira. A obra com todos estes parâmetros de união de gênero e estética singulares junto a homenagem aos clássicos jogos retrô da década de 90 e o humor crítico, parece um sonho de jogo se tornando realidade.
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