The Buffalo Hunter Hunter, de Stephen Graham Jones, é um romance que expande as fronteiras do horror ao revisitar a história norte-americana. A obra mescla sobrenatural e realidade histórica, explorando a violência contra os povos nativos, a destruição ambiental e os fantasmas, literais e figurativos, deixados pelo genocídio.
Lançado em formato epistolar e com camadas narrativas complexas, o livro propõe ao leitor uma reflexão profunda sobre quem são os verdadeiros monstros em uma terra marcada por violência e colonização.
Um diário esquecido, uma história ressuscitada
Tudo começa em 2012, quando a pesquisadora Etsy Beaucarne descobre o diário de seu ancestral, o pastor Arthur Beaucarne. Escrito em 1912, o relato apresenta encontros entre Arthur e Good Stab, um homem Blackfeet (grupo de povos indígenas originários das Grandes Planícies do norte da América do Norte) que revela algo além do natural: após um encontro com uma criatura monstruosa, Good Stab se vê condenado a sobreviver bebendo sangue.
Essas confissões formam o núcleo do romance, intitulado pelo próprio Arthur como “O Evangelho de Good Stab”. Enquanto Etsy busca entender o destino de seu antepassado, o leitor mergulha na violência que destruiu tanto vidas humanas quanto os rebanhos de búfalos, base de subsistência dos Blackfeet.
Uma nova visão sobre o mito do vampiro
Stephen Graham Jones reinventa a figura do vampiro de forma engenhosa. Em sua narrativa, beber sangue não apenas sustenta o vampiro: transforma-o. Um vampiro que se alimenta do sangue de um animal ou de uma pessoa passa a carregar traços físicos e psicológicos dessa presa. Quando Good Stab, em determinado ponto, bebe o sangue de homens brancos, ele próprio começa a se parecer com eles — uma metáfora potente sobre identidade e assimilação forçada.
Essa leitura original do mito amplia a discussão sobre colonização e perda cultural, tornando os vampiros mais do que predadores: eles são vítimas, sobreviventes e, por vezes, instrumentos de vingança.

Horror histórico e crítica social
Ao construir a história no contexto do massacre de Marias (quando tropas norte-americanas mataram cerca de 200 Blackfeet, incluindo mulheres e crianças), Jones coloca o horror fictício lado a lado com o terror histórico real. Good Stab decide usar sua maldição para caçar os homens que lideraram a destruição dos búfalos, estratégia central na opressão dos povos nativos.
Esse pano de fundo transforma The Buffalo Hunter Hunter em muito mais que uma história de vampiros: é um lamento pela terra devastada, pelas culturas esmagadas e pelas vidas arrancadas em nome da expansão colonial.
Uma narrativa de múltiplas vozes
O romance alterna entre a voz fria e julgadora do pastor Arthur, os relatos confessionais de Good Stab e as anotações de Etsy, a pesquisadora que busca respostas no presente. Essa estrutura evoca obras clássicas como Drácula, mas com uma identidade distinta: a perspectiva indígena como força motriz da trama.
Essa escolha narrativa questiona quem escreve a história, quem a guarda e quem a distorce, e sublinha o contraste entre as intenções de Arthur e o objetivo de Good Stab, que busca justiça.
Violência gráfica e momentos suaves
Como é característico de Jones, o livro não foge de descrever mortes brutais e mutilações, lembrando o leitor do preço do ódio e da vingança. Ao mesmo tempo, momentos como a relação de Good Stab com Weasel Plume, um jovem búfalo branco, trazem um toque de humanidade e fragilidade ao protagonista.
Essa combinação de brutalidade e ternura torna a narrativa densa, complexa e, sobretudo, provocadora.
The Buffalo Hunter Hunter é mais do que um romance de terror: é uma investigação sobre monstros reais e imaginados, uma denúncia do passado sangrento dos Estados Unidos e uma reinvenção poderosa da figura do vampiro.
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Uma resposta
Belíssima analise, eu n poderia esperar menos de uma autora tão incrível com tu. Terror não costuma ser meu gênero literário favorito, mas a descrição e comparação com Drácula me deixaram bastante curioso pra Buffalo Hunter Hunter