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Luminária: Por que os clássicos não envelhecem mal

Uma vez, ouvi em um episódio de um podcast que “ ‘Orgulho e Preconceito’ envelheceu mal”, mas quem opinou sobre isso não discorreu o porquê de sua opinião. Um livro “envelhecer mal” significa que ele perdeu relevância, apelo ou significado para as novas gerações ou para o contexto atual, porém um clássico aclamado até hoje, tanto por acadêmicos quanto pela indústria do entretenimento, realmente envelheceu mal?

Confesso que ouvir tal afirmação me doeu, porque este livro é um dos meus favoritos e, apesar de ter sido escrito no século XIX, ainda é uma leitura com temáticas atuais, pois aborda sobre preconceito, a mulher dependente de casamento e estratificação social. Isso me fez pensar sobre o quanto as pessoas não entendem o conceito de uma obra ser um clássico, qual a sua importância e o porquê não se pode aplicar o anacronismo. Então, sente-se em sua poltrona rústica, feche seu livro velho, acenda a Luminária e vamos discutir um pouco sobre por que ler os clássicos.

O que torna um livro um clássico?

De acordo com o dicionário , a palavra “clássico” possui vários significados, elenquei aqui aqueles que se enquadram melhor para a literatura:

  1. Relativo à Antiguidade greco-latina ou aos grandes autores e à arte dos séculos XVI a XVIII: as línguas clássicas; o teatro clássico; a arquitetura clássica.
  2. Considerado como um modelo do gênero. Autor ou obra que pode servir de modelo, cujo valor é universalmente reconhecido.

Expandindo um pouco mais sobre a definição de “clássico” dentro da arte literária, a professora do Instituto de Letras da UFRGS, Cláudia Luiza Caimi, explica que são livros conhecidos e reconhecidos em sua época ou depois, que ressoam no leitor de hoje mesmo quando escritos há muitos anos, conforme a Rede Nacional de Combate a Desinformação – RNCD. O escritor e jornalista Ítalo Calvino discute tal tema em seu livro “Por Que Ler os Clássicos” e argumenta que toda leitura de um clássico é, de certa forma, uma releitura e uma nova descoberta.

Os clássicos são livros que exercem uma influência particular quando se impõem como inesquecíveis e também quando se ocultam nas dobras da memória, mimetizando-se como inconsciente coletivo ou individual” explica Calvino.

Proporciona ler sobre algo como uma releitura de uma situação ou de uma experiência, ao mesmo tempo, reler tal obra icônica é realizar sempre uma primeira leitura, conhecendo novos aspectos em todas as tentativas. Uma definição bem difundida é que um clássico é um livro que nunca terminou aquilo que tinha para dizer.

Para a RNCD, a mestranda em Estudos Literários pela UFRGS e fundadora do Querido Clássico, Mia Sodré, diz que os clássicos narram histórias com temáticas universais, retratam sobre amor, relações familiares, vingança, preconceitos, guerras, luto… Aspectos sempre presentes na história da humanidade.

Repercussão midiática

É fácil observar como a literatura contemporânea utiliza os clássicos direta ou indiretamente. Alguns autores publicam releituras de histórias já consagradas, como “A Canção de Aquiles” de Madeline Miller, “Sombria e Solitária Maldição” de Brigid Kemmerer e “Orgulho e Preconceito e Zumbis” de Seth Grahame-Smith.

Outros escritores baseiam suas obras em alguma característica dos clássicos, como “O Diário de Bridget Jones” (Helen Fielding) que se inspirou em “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen, “Crepúsculo” (Stephanie Meyer) que tem influência de “O Morro dos Ventos Uivantes” de Emily Brontë e “Clube da Luta” (Chuck Palahniuk) que possui características encontradas em “O Médico e o Monstro”, de Robert Louis Stevenson.

Alguns leitores ficariam surpresos ao categorizarem os clássicos dentro das tropes literárias atuais, o próprio “Orgulho e Preconceito” nada mais é do que um romance enemies to lovers (de inimigos a amantes). “O Fantasma da Ópera” e “Anna Karenina” envolvem um triângulo amoroso. “Romeu e Julieta” é um insta love (amor instantâneo) com amor proibido. “Anne de Green Gables” é um friends to lovers (de amigos a amantes) com slow burn (romance lento).

Os clássicos são tão importantes que as produções audiovisuais também bebem desta fonte. O filme O Rei Leão (1994 e 2019) usa a história de “Hamlet” (William Shakespeare) para compor seu roteiro. O romance “Emma” de Jane Austen é reconhecido em As Patricinhas de Beverly Hills (1995). A narrativa francesa “Os Três Mosqueteiros – O Homem da Máscara de Ferro” de Alexandre Dumas está inserido na novela Cordel Encantado (2011).  

Há também as produções que adaptam diretamente das obras clássicas, como Orgulho e Preconceito (série de 1995 e filme de 2005) ou a novela Orgulho e Paixão (2018), Éramos Seis (novelas de 1977 e de 2019), Frankenstein (filmes de 1931 e de 2025), Sítio do Pica-Pau Amarelo (filme de 1973, séries de 1952 e de 2001, animação de 2012), O Fantasma da Ópera (filme de 2004 e musical de 1986), Anne de Green Gables (série de 2017 e anime de 2025), Conan – O Bárbaro (filmes de 1982 e de 2011), entre outros tantos.

Os clássicos e os contemporâneos

Há livros que são consumidos apenas em seus lançamentos e há livros que permanecem além da ação do tempo. Porém, não se deve restringir a sua leitura a uma ou outra categoria, um bom leitor é aquele que aproveita o velho e o novo, usufruindo daquilo que ambos se propõem.

Em minha juventude, talvez por dificuldades no vocabulário e pela realidade tão longínqua, alimentada também pela obrigatoriedade escolar que apenas visa a leitura para responder uma prova; acabei afastando-me dos clássicos porque os achava chatos e difíceis. Que atire a primeira pedra quem nunca pensou assim! Mas, ao mesmo tempo, fui me desafiando a ler tais histórias, buscando adaptações para o público juvenil ou fugindo dos calhamaços e foi surpreendente ao me ver gostar destas narrativas. Lembro-me com muito carinho de Os Miseráveis (Victor Hugo), Meu Pé de Laranja Lima (José Mauro de Vasconcelos) e Iracema (José de Alencar) fazerem parte de minha adolescência juntamente com Crepúsculo (Stephanie Meyer) e Percy Jackson (Rick Riordan).

Calvino também propõe o equilíbrio literário, ao frisar que é preciso ler ambas as produções porque “o rendimento máximo da leitura dos clássicos advém para aquele que sabe alterá-la com a leitura de atualidades numa sábia dosagem”. A diversidade literária enriquece o escopo do leitor, refletindo nas futuras leituras e até no cotidiano da vida comum.

Uma estratégia que sigo é alternar entre as rápidas e fluidas leituras atuais e as frases longas e carregadas dos antigos romances. Beatriz Duarte, do Ler Livros, comenta que “os clássicos não envelhecem porque cada geração os lê de novo e neles descobre algo diferente. São como espelhos: refletem o leitor que os encara. […] Um clássico não muda; nós é que mudamos diante dele”.

Assim, antes de comentar irrefletidamente que algum clássico envelheceu mal, entenda primeiro o que é e o porquê que tal obra é um clássico. Não cometa a gafe do anacronismo, não imponha a ideologia de hoje à realidade do passado, e sim, reflita os pontos positivos e negativos sem tirar o valor da obra em si. Ultrapasse a barreira da narrativa mais elaborada e lenta, verá que há sempre uma crítica nas sublinhas da história principal e como tal aspecto reflete na realidade que vivemos hoje. Ler um clássico é entender o mundo ontem e hoje.

Luminária é a coluna literária na qual conversaremos sobre livros a cada quinze dias. Para mais conteúdos literários, acesse o portal.

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