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Luminária: “Phantastes”, o precursor da fantasia

Recentemente li “Phantastes” do britânico George McDonald. É uma história de alta fantasia de 1858 e é considerada uma das principais influências para C. S. Lewis (As Crônicas de Nárnia), Lewis Carroll (Alice no País das Maravilhas), G. K. Chesterton (O Homem Que Era Quinta-feira) e J. R. R. Tolkien (O Senhor dos Anéis). Quando eu soube que esta história inspirou outros grandes autores e por eu ser fã de histórias fantásticas, resolvi que seria uma leitura obrigatória para meu repertório de leitora.

Eu tive duas sensações ao ler este livro: a primeira é quão bela é a Terra das Fadas e os elementos que compõem este worldbuilding que inspiraram os autores já citados. A segunda impressão que tive é o quão chato é acompanhar a história de um protagonista sem propósito. Ambas as percepções serão expostas nesta coluna, divididas em duas partes. Então sente-se na poltrona, aproxime-se da Luminária e vamos conversar sobre “Phantastes”.  

Phantastes: Um Romance de Fadas para Homens e Mulheres

O título original da obra é “Phantastes: A Faerie Romance for Men and Women”, que em tradução livre seria “Phantastes: Um Romance de Fadas para Homens e Mulheres”. Porém, as edições em português ou trazem o subtítulo modificado ou o eliminam de vez. A versão de 2021 da editora Thomas Nelson escolheu o subtítulo “Um Conto de Fadas”, já a editora Amoler de 2022 optou por “O Mistério das Fadas”. O volume que eu li foi o da casa editorial Pé da Letra (2021) a qual conta apenas com o título.

A perda ou substituição do subtítulo já retira do leitor uma informação valiosa sobre o que encontrar na obra. Ao usar “O Mistério das Fadas” pode provocar uma falsa conjectura de que naquela história há um mistério específico a ser apresentado e resolvido, o que não vem ao caso quando se lê a obra completa. Optar pelo subtítulo “Um Conto de Fadas” produz um pouco mais de noção do que encontrar naquela narrativa, remetendo as fábulas infantis. Já outras edições com apenas o título, como a que eu li, deixam a cargo do leitor tirar suas próprias conclusões.

Entendo que “Phantastes” já denota algo análogo a fantasia, as línguas latinas e anglo-saxônicas assimilam esta fácil percepção, mas se for um chinês cuja palavra “fantasia” em mandarim é “huànxiǎng”, o título “Phantastes” acaba não sendo tão intuitivo assim.

Porém, acredito que o subtítulo original é o que melhor representa o livro. Se destrincharmos “Um Romance de Fadas para Homens e Mulheres”, conseguiremos entender melhor a sua proposta. “Romance” corresponde a uma narrativa longa, mais elaborada, com maior uso de cenários, personagens e tramas. “Fadas” não são apenas os seres humanóides com asas, na antiga Europa o termo “faerie” abrange os seres místicos que hoje distinguimos como fadas, elfos, gnomos, duendes, entre outros. “Homens e Mulheres” demonstra o público-alvo, ou seja, o autor criou um conto de fadas, que costumeiramente é voltado para as crianças, para os adultos.

Escrevo não para crianças“, explicou o autor George MacDonald, “mas para crianças, sejam elas de cinco, cinquenta ou setenta e cinco anos“.

O Precursor da Alta Fantasia

Longe de mim dizer que “Phantaste” é o primeiro, mas não há como negar que o livro serviu de inspiração para outras grandes obras da alta fantasia as quais encantam os leitores até hoje, como As Crônicas de Nárnia (C. S. Lewis) e O Senhor dos Anéis (J. R. R. Tolkien). A história de Anodos indo para a Terra das Fadas demonstra a capacidade do autor em criar um universo paralelo cheio de ambientes encantados, criaturas mágicas e desafios intrigantes.

A sensação que eu tive ao ler “Phantastes” é de acompanhar uma história onírica, onde os acontecimentos se sucedem sem um porquê e sem um propósito. O aspecto de estar em um sonho pode ter inspirado Lewis Carroll em sua obra Alice no País das Maravilhas ou G. K. Chesterton em seu livro O Homem que Era Quinta-feira.

Certamente, George MacDonald é o avô de todos nós que lutamos para chegar a um acordo com a verdade por meio da fantasia” comentou Madeleine L. Engle.

Ao ler o livro, fiquei maravilhada com a narrativa do autor. Acredito que George MacDonald teve a capacidade de transportar seu leitor para a bela Terra das Fadas e de transmitir a sensação maravilhosa de estar em um lugar encantado. Os floreios narrativos, para mim, não foram chatos ou maçantes, mas sim uma artimanha que me fez adentrar na floresta, interagir com as fadas das flores, ver a paixão das ninfas, sentir o marasmo do rio, deliciar-me com um banho refrescante, perceber a beleza da música e da dança.

“[…] Ao mesmo tempo eu, sendo um homem de um filho do dia, senti certa ansiedade perante o que eu deveria fazer entre os elfos e os outros filhos da noite que acordam quando os mortais dormem , e encontram sua vida cotidiana naquelas horas assombrosas que passam sem ruídos por sobre as formas imóeis de homens, mulheres e crianças, esparramados e separados embaixo das pesadas ondas da noite, que flutuam, se espalhando, os nocauteiam e os mantém submersos e inanimados, até que a maré baixa chega e as ondas se esvaem de volta ao oceano de escuridão. Mas criei coragem e continuei […]” ― Phantastes, de George MacDonald, ed. Pé da Letra, 2021.

O escritor também pode ser elogiado quanto a sua criatividade. De maneira geral, cada capítulo que compõe o livro é uma aventura diferente, uma miscelânia de acontecimentos até confusa! A jornada do protagonista Anodos envolve a perseguição do Freixo, a libertação de uma fada do mármore, o encontro e o convívio com sua sombra, a exploração do palácio real, a guerra contra os gigantes, a lida de um escudeiro, a aventura no mundo subterrâneo, o enfrentamento de uma seita… Ainda cabe dois capítulos de metalinguagem nos quais Anodos nos conta histórias que leu na biblioteca do palácio, achei-as divertidas.

George MacDonald […] [criou] histórias de poder e beleza” afirmou J.R.R. Tolkien.

Porém, a leitura de “Phantastes” não se resume a encantamento e criatividade, pois infelizmente George MacDonald não é um escritor excepcional e em alguns momentos a narrativa fica monótona e até mesmo desconexa. É uma opinião que não estou sozinha nela, o próprio C. S. Lewis comenta que seu mestre não era tão bom escritor assim:

Se definirmos a literatura como uma arte cujo meio são as palavras, então, certamente, MacDonald não tem lugar na primeira fila, quiçá nem mesmo na segunda. […] A textura de sua escrita é indistinta como um todo e, por vezes, hesitante”.

Como é sabido, o autor de “Phantastes” também era um pregador cristão e, com isso, seu conto de fadas ganha um tom de fábula ao incrementar na história algumas lições de morais e fluxos de consciência. Posso dizer que esta obra se configura em um romance de formação.

Tradições ruins de pregação também estão presentes” de acordo com Lewis, no prefácio de “Phantastes”, edição da Thomas Nelson.

Li trechos em que espertamente o autor trabalha o amadurecimento do personagem. O jovem que acabara de completar a maioridade ― em algumas edições trazem-no com 18 anos e em outras com 21 ― aprende na Terra das Fadas a não confiar somente no belo, a lidar com seu lado sombrio (malícia, esperteza, desconfiança), a quebrar o orgulho ao tornar-se um subordinado e entender a morte como um reencontro.

Além disso, o livro está repleto de poemas e canções que não acrescentam em nada à narrativa, apenas irritam. Vários personagens, incluindo o próprio protagonista, assumem o papel de trovador com estrofes cantadas que ocupavam de duas a três páginas na edição que li.

Décadas depois, sob o projeto do selo “Ballantine Adult Fantasy”, o editor Lin Carter escreveu que “MacDonald, francamente, não tinha ouvido para escrever versos e a intrusão de suas rimas açucaradas prejudicou, em vez de aumentar, a força e a clareza do livro“. Em sua edição, ele omitiu a maioria das canções e poemas na reimpressão de 1970. Se já são muitos agora, imagina quantos não estavam presentes na edição original!

Apesar da falha narrativa de MacDonald, é inegável o seu legado na cultura literária dos séculos seguintes. Suas obras, mesmo não sendo das melhores do gênero, foram precursoras de livros e sagas de fantasia que alimentam até hoje a cultura geek.

Foi nessa arte mitopeica que MacDonald distinguiu-se […] Nunca escondi o fato de que o considerava meu mestre; na verdade, imagino nunca ter escrito um livro em que não fizesse nenhuma citação dele” elogiu C.S. Lewis, por fim.

Para os amantes da fantasia como eu, acredito que “Phantastes” seja uma leitura imprescindível, apesar da minha experiência de leitura ter sido mediana, pois fiquei impactada no início e entediada da metade para o final. Porém, entendo a relevância desta história para a cultura literária mundial e que, infelizmente, não tem tanto reconhecimento.

Luminária é a coluna literária na qual conversaremos sobre livros a cada quinze dias. Para mais conteúdos literários, acesse o portal.

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