“Os deuses condenaram Sísifo a rolar incessantemente uma rocha até o alto de uma montanha, de onde tornava a cair por seu próprio peso. Pensaram, com certa razão, que não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança”
– Camus, O Mito de Sísifo, p. 137
A jogabilidade de Dark Souls, lançado em 2011 pela desenvolvedora FromSoftware e publicado pela Namco Bandai Games, consiste basicamente na repetida morte do jogador, que fica um pouco melhor a cada vez que é derrotado, lentamente trilhando seu caminho até o final do jogo. Essas repedidas mortes não são um bug, mas sim uma feature. Fazem parte do design e da filosofia do jogo, além de ser reforçado pela história e meta narrativa (uma narrativa que assume o sentido de uma grande narrativa, uma narrativa de nível superior) do mesmo.
Efetivamente, a história – com seus temas de morte, renascimento e entropia – reforça a jogabilidade e a jogabilidade reforça a história, assim infinitamente, gerando uma satisfação única ao completar o jogo, além de muita imersão. Em game design, isso se chama Harmonia Ludonarrativa. Não é à toa que Dark Souls ganhou o título de melhor jogo da história pelo Golden Joystick Awards em 2021.
Um Esforço Sisifiano
Efetivamente, o jogo é um Esforço Síisifiano. Esse termo é derivado do Mito de Sísifo, e significa um esforço árduo que deve ser repetido assim que terminado. É uma tarefa absurda. Albert Camus, notório filósofo e escritor do século XX, usou o Mito de Sísifo como ferramenta para argumentar, na página 141 de seu livro de mesmo nome, que
“(…) Esse universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. (…) A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.”
E assim se fez. A Tarefa Sisifiana do jogo Dark Souls, em diálogo com sua meta narrativa, nos torna feliz. Enche nossos corações de propósito, de objetivo. Aqueles que não conseguem e desistem, se tornam os ocos – humanos que se tornaram mortos-vivos por perderem a vontade de viver – que enfrentamos por toda Lordran – as terras onde o jogo se passa.
Conclusão
Mas você não. O jogo literalmente nos diz, através do diálogo de um dos NPCs, “Don’t you dare go hollow!” ou “Não se atreva a se tornar oco!”. Não desista. Lute. Como Sísifo, seja feliz. Isso tudo é um absurdo. Não é à toa que a filosofia proposta por Albert Camus é chamada de absurdismo.
Diante da Esforço Síisifiano da vida, é um absurdo estar feliz. A própria felicidade é uma forma de rebeldia. Também se vê isso na história de Dark Souls, onde, apesar da entropia que se instalou pelo mundo, apesar da inercia dos acontecimentos grandiosos que vieram antes de você, você ainda luta. Derrota o senhor da luz Gwyn – chefe final do jogo e personagem chave para a história – e reacende a Primeira Chama, que é o objetivo final do jogo… ou não, pois pode escolher deixa-la se apagar, assim quebrando o status quo. Mas o importante é que você lutou. E isso é um absurdo.