Hoje trouxemos algo um pouco diferente de Entre Balões e Quadros e dos Contos de Ellora que você já conhece por aqui. Esta também é uma jornada. Se tivesse nome de campanha, talvez se chamasse Margem.
Imagine uma névoa densa pairando sobre a consciência criativa de um autor. Um escritor que sempre confiou nos rabiscos deixados nas margens do caderno. Cada traço era uma abertura para pintar mundos, esculpir sentimentos, empilhar horrores sutis em páginas silenciosas.
Ele não sabia por quê. Nunca aprendeu. Não tinha técnica. Saiu da faculdade de Biologia e tornou-se ilustrador júnior em 1986. Aprendeu a ilustrar fazendo tanto o próprio trabalho quanto o de outros. E, da ilustração, mergulhou no mundo dos quadrinhos.
As palavras desse autor eram afiadas. Suas tramas, densas.
“Não nos apague.”
As ilustrações começaram a escapar das margens. Seus cadernos transbordavam tinta. As linhas ultrapassaram o papel e chegaram à premiação máxima.
O vencedor do 18º Japan International Manga Award foi A Sereia da Floresta, de Hiro Kawahara, lançado em dezembro de 2023 pela editora JBC. O autor recebeu o prêmio Gold, feito inédito para obras brasileiras.

Entrevista especial com Hiro Kawahara
Não focamos apenas na obra vencedora, mas também na experiência da viagem, no intercâmbio cultural e na sua jornada artística. Confira um trecho exclusivo da conversa que aconteceu em 24 de março de 2025:
1. Como foi receber esse prêmio? Qual o processo de escolha? Por que A Sereia da Floresta foi a vencedora?
“Perguntei aos jurados por que escolheram A Sereia da Floresta, e cada um tinha uma leitura diferente. No geral, a obra como um todo chamou atenção. A troca de gênero na narrativa, feita de forma sutil, fez parte disso. O conjunto da obra impacta, é difícil chegar a um consenso.
O que achei interessante é que eles valorizam qualquer estilo de desenho, mesmo o mais sujo ou mais cru. Eles destacaram que minha narrativa é bem diferente da narrativa japonesa.
O prêmio é governamental, criado em 2006 como forma de diplomacia cultural. É muito democrático, você vê quadrinistas independentes ganhando. Foram 716 obras concorrendo, com um corpo de jurados bastante rigoroso e um padrão de qualidade alto.
Existe todo um ritual, os discursos, o protocolo… Isso assusta um pouco. Os vencedores ao meu lado eram mais jovens. Lá, a responsabilidade é muito grande. Os ganhadores do ouro e da prata ganham a chance de visitar o Japão.
No Japão, o mangá é tratado como propriedade cultural. Precisei estar lá para entender isso. Aqui no Brasil, a gente tem o Maurício de Sousa, mas não temos cidades inteiras tematizadas com base em mangás ou animes. Lá, sim. O país inteiro se mobiliza, desde o governo até as prefeituras. Existem departamentos dedicados apenas a materiais de mangá.
Voltei com uma visão diferente. Espero que um dia possamos construir um mercado de quadrinhos tão forte quanto o deles. Fiquei orgulhoso.”
2. Após a cerimônia e os encontros com artistas e editores japoneses, você vê oportunidades de colaborações futuras?
“Nem pensei nisso por conta da barreira da língua. Mas estou com tanta história para contar… Estou elaborando duas ao mesmo tempo, e já tem uma terceira e uma quarta pedindo para nascer.
Ainda assim, a viagem rendeu frutos. Era para eu ter conhecido o estúdio Gurihiru, das quadrinistas japonesas Chifuyu Sasaki e Naoko Kawano, que já trabalharam para a Marvel. Infelizmente não conseguimos nos encontrar, mas só o convite já foi muito especial.”
3. Miwa é uma das suas obras mais impactantes. Como surgiu a inspiração para a história dessa garota em coma que cria narrativas para manter a sanidade?
“Miwa seria meu livro de despedida. Meu último quadrinho. Eu estava vivendo um momento difícil, pessoalmente e profissionalmente. Sentia que os quadrinhos estavam tomando muito tempo, e minha vida parecia estar desmoronando.
Mesmo com tudo isso, continuei criando, mesmo que fosse de madrugada. E percebi que preferia criar do que encarar certos problemas, sempre fui assim.
Tem muita gente que é chamada de avoada pela família. Mas às vezes a gente precisa tirar a cabeça da terra para conseguir imaginar e transformar isso em história.
Miwa é uma história de amor e ódio com a arte de contar histórias. Não é sobre o coma em si, mas sobre o estado emocional de quem cria.”
Curtiu esse papo com o Hiro?
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