Disclaimer
Cocaína é uma droga que causa vício e tem todo o potencial para te destruir. Já dizia Sabotage, “coca eu sei que mata”. Quero deixar claro que cocaína é uma péssima ideia antes de falar sobre o que vou falar, porque quero ter certeza de que ninguém lendo esse texto vai ser idiota o bastante para achar que é uma droga legal de se usar.
O Urso do Pó Branco – A decepção
Em 1985 um traficante jogou de seu avião malas cheias de cocaína e então pulou para sua morte quando seu paraquedas falhou. Três meses depois, um urso negro de 79 kg foi encontrado morto ao lado de uma dessas malas que tinham, aproximadamente, 34 kg de cocaína. Todos os pacotes da droga estavam abertos.
O médico do laboratório de criminologia da Georgia que examinou o animal, Dr. Kenneth Alonso, disse que o estômago do urso estava “literalmente atolado até o topo de cocaína”. Aquele urso teve algumas horas selvagens antes de morrer de overdose.
Hoje o urso, que foi empalhado, está em um shopping no estado do Kentucky e tecnicamente pode realizar casamentos. Você pode ler mais detalhes sobre a história real na página da Wikipedia sobre o Cocaine Bear, também conhecido como Pablo Escobear.
Hoje você também pode assistir o filme O Urso do Pó Branco (Cocaine Bear), feito com base nessa história real. Ele não se propõe a contar a verdadeira história, mas a mostrar a imagem que vem à cabeça quando se pensa em “urso cheirado de cocaína”.
O verdadeiro Pablo Escobear
O que se esperava
A publicidade me disse que “se você já ouviu as palavras ‘cocaína’ e ‘urso’, você não precisa saber mais nada”, e essa era minha expectativa desde que vi o primeiro anúncio sobre o filme baseado na história original que eu já conhecia.
Antes de você continuar, quero falar um pouco da imagem que essa premissa coloca em minha cabeça.
Um urso é um animal, não um monstro. Entretanto, não importa qual tipo de urso, ele tem o potencial de ser uma máquina de matar. Garras enormes, dentes afiados, músculos incrivelmente fortes, capacidade de andar em duas patas para melhor fatiar seus inimigos.
Se você já assistiu O Regresso, o filme que deu à Leonardo DiCaprio seu merecido Oscar, você deve se lembrar de uma das melhores retratações de quão brutal um urso pode ser, seja ela realista ou não. (Se não viu, basta clicar aqui e ver que ela é incrível).
Cocaína é uma droga estimulante e viciante, com efeitos imediatos, de curto e de longo prazo. Meu foco aqui são os efeitos imediatos. Você pode ter qualquer opinião que quiser sobre Aves de Rapina e Margot Robbie como Harley Quinn, mas essa cena mostra o que o público espera dos efeitos imediatos de cocaína: euforia, energia, autoconfiança extrema e aumento no estado de alerta. Somada às potenciais paranoia e agressividade, ela tem tudo para deixar uma pessoa bastante perigosa quando sob seus efeitos.
Cocaine Bear
Junte essas duas coisas: um urso, topo da cadeia alimentar, um predador capaz de ganhar de praticamente qualquer coisa em combate; e a droga que é famosa por deixar os usuários agressivos, eufóricos e ultra-confiantes.
Você tem a máquina de matar perfeita, praticamente um super urso que vai matar o que chegar perto. Eu aposto que se alguém chegasse perto do Pablo Escobear de verdade enquanto ele estava cheio de cocaína, a experiência teria sido no mínimo desastrosa.
Era exatamente isso, e só isso, que eu queria ver em Urso do Pó Branco. Estou extremamente decepcionado.
O que recebemos
Eu não queria muito. Um urso muito louco de cocaína. Suas garras seriam capazes de arrancar árvores, seu rugido seria ouvido do outro lado da floresta, tiros só seriam capazes de deixá-lo mais brabo e portas de aço cairiam frente a suas cabeçadas brutais em busca de mais cocaína. A fantasia de um monstro baseada no que imaginei quando li a história de Pablo Escobear muitos anos atrás. Qualquer realismo seria opcional, qualquer emoção sem importância.
Você sabia que 6% dos americanos acreditam (em delusão, claro) que ganhariam de um urso pardo em uma luta? Podiam colocar um ator do tamanho do The Rock no filme para representar esses 6%. O personagem podia cheirar cocaína para combater fogo com fogo e eles teriam uma batalha épica em que o humano, logicamente, perderia, mas seria bem legal.
Por que, ao invés dessa batalha, eu vi a história de um pai sofrendo a perda da esposa e se afastando do filho por isso? De que me importa o abandono paternal de um Drug Lord nessa história? De onde vieram os paralelos entre a relação entre uma mãe buscando a filha e o amigo dela na floresta e o urso com seus filhotes? Por que, maldição, o urso tinha filhotes?
Eu queria o urso de O Regresso com olhos vermelhos buscando mais vítimas, mas vi uma mamãe urso um pouco mais violenta protegendo seus filhotes. Eles eram muito fofinhos cobertos de cocaína, mas não foi pra isso que eu dei play.
Qual foi o erro?
Não me entenda mal, eu super sou o cara que gosta de narrativas construídas em torno de uma mensagem. Eu sou o cara que lê a estrutura das narrativas fundo demais e adora fazer isso. Mas, claramente, essa não era a história pra esse tipo de coisa. E os roteiristas sabiam.
Eles sabiam tão bem disso que não colocaram nenhum esforço de verdade nas narrativas. As pessoas iriam ver Cocaine Bear para ver um urso usando cocaína e nada mais. Bastava deixar a emoção e a mensagem de fora, só dessa vez, focar na ação, comédia e, talvez, um pouco de terror. Eu só queria torcer pro urso.
No fim, senti que a narrativa tomou espaço do principal. Há pouco do urso monstruoso, há muito da história contada de maneira meia-boca, e até mesmo o urso é contaminado por ela. Se ao menos a divisão fosse mais bem feita, talvez tivéssemos um filme melhor. Muitos escritores, talvez? Pressão corporativa? Não sei. Só sei que estou decepcionado.
Nem tudo está perdido se você ainda quer ver esse monstro. Love + Death + Robots, antologia de animações da Netflix, em sua terceira temporada, traz “Kill team Kill”, ou “Matança em grupo” em português, com seus 8 minutos de glória. Para essa fantasia, Kill team Kill é bem melhor, e nem tem cocaína.
Menções honrosas
Character Actress and fugitive of the law Margo Martindale
Eu passei as últimas mil palavras reclamando desse filme e deixando minha frustração com ele fluir, mas ele não é de todo mal. É um filme divertido o bastante. Ele não cumpre a promessa de sua fantasia, mas nos momentos em que tenta, ele o faz bem.
A atriz caricata e fugitiva da lei Margo Martindale, em especial, é incrível no papel de Guarda Florestal Liz. Só conheci a atriz através das piadas da série Bojack Horseman sobre como ela é excelente em seu trabalho, capaz de desaparecer dentro dos papéis.
Ela é incrível fazendo personagens secundários, mas importantes, como alívio cômico, gancho emocional para uma situação ridícula ou para enfrentar um urso cheirado com toda a incompetência que a personagem possui. As cenas com Margo são o ponto alto do filme e, se ele vale ser assistido, ela é a responsável.
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