A primeira semana depois do Halloween sempre me deixa naquele limbo estranho que parece um tipo diferente de ressaca. Então, em vez de bruxas, decidi mergulhar em outro tipo de terror: o psicológico. Eu queria conhecer uma autora nova, alguém de quem eu nunca tivesse lido nada, e acabei esbarrando com Quando a sorte te visitar, de Stacy Willingham, no site da DarkSide Books.
Foi um achado. Eu nunca tinha lido nada da Willingham antes e agora entendo por que o nome dela vive aparecendo nas listas de suspense psicológico mais comentadas dos últimos anos. Publicado originalmente como Only If You’re Lucky, o livro é uma espiral de amizade, inveja e culpa ambientada em uma universidade da Carolina do Sul.
E se o pós-Halloween pede algo mais realista, mas ainda arrepiante, essa história entrega tudo: o tipo de medo que não vem de monstros, mas de pessoas que acreditamos conhecer.
Lucy Sharpe é o tipo de pessoa que a gente nunca esquece
Lucy é carismática, magnética, impossível de ignorar. O tipo de garota que domina uma sala só pelo olhar. E é justamente ela quem decide se aproximar de Margot, uma estudante tímida e introspectiva que ainda tenta superar a morte da melhor amiga, Eliza.
Quando Lucy convida Margot para dividir uma casa fora do campus com outras duas colegas (Sloane, sarcástica e imprevisível, e Nicole, gentil e reservada), Margot vê nisso uma chance de recomeçar. De deixar para trás o trauma, a culpa e a solidão.
Mas, como toda boa história, nada é tão simples. A casa, que deveria representar liberdade, acaba se tornando uma prisão cheia de segredos. Quando um estudante da fraternidade vizinha é brutalmente assassinado e Lucy desaparece sem deixar rastros, Margot se vê no centro de uma investigação e de uma amizade que talvez nunca tenha sido o que parecia.
A escrita de Stacy Willingham é claustrofóbica de propósito. A autora usa os corredores da faculdade, os quartos abafados e as casas suburbanas para criar uma atmosfera de desconforto constante. A sensação é de estar sempre sendo observada, como se algo prestes a acontecer estivesse preso atrás da próxima porta. O interessante é como a autora explora o universo universitário de um jeito que não tem nada de leve ou divertido. As festas, os dormitórios, as amizades intensas, tudo é retratado com um toque de perigo, de manipulação, de uma necessidade desesperada de pertencimento.
Margot é uma narradora que a gente aprende a desconfiar. Ela está traumatizada, toma remédios, mistura lembranças, e às vezes parece esconder mais do que diz. Essa ambiguidade é deliciosa: você nunca sabe se está lendo a verdade, ou só o que ela quer acreditar.
Amizade, obsessão e a linha tênue entre as duas
O coração de Quando a sorte te visitar está na amizade entre as meninas. A relação de Margot e Lucy é o tipo de laço que beira a devoção, intenso, possessivo, quase doentio. É uma amizade que lembra um romance, mas sem precisar ser um. É sobre o desejo de ser visto, de ser escolhido, de ser alguém através do olhar do outro. Willingham entende isso com uma precisão assustadora, ela escreve sobre o poder e o perigo das amizades femininas com a mesma intensidade que Gillian Flynn escreve sobre o casamento.
Em alguns momentos, a autora insere frases que soam como pequenos socos, como quando Margot admite:
“Tudo o que eu sempre quis foi que alguém me dissesse o que ser. Que me moldasse até eu me tornar algo novo.”
É impossível não sentir um calafrio.
Os primeiros capítulos são lentos, quase cotidianos. A história parece ser sobre adaptação, amizade e luto, até que as rachaduras aparecem. Quando o ritmo acelera, é impossível largar. A estrutura fragmentada (com idas e vindas no tempo) mantém o leitor preso, e as reviravoltas da reta final são de tirar o fôlego.
Stacy Willingham constrói o tipo de suspense que não depende de sustos, mas de pequenas revelações que corroem a confiança do leitor a cada página. O livro é cheio de “espera, o quê?” e “isso muda tudo” e quando você acha que entendeu, ela muda o tabuleiro de novo.
Quando a sorte te visitar é um thriller psicológico intenso e elegante, que mistura amizade, inveja e culpa em uma narrativa envolvente e imprevisível. Stacy Willingham escreve com ritmo, inteligência e uma dose generosa de veneno emocional. Não é o tipo de livro que assusta, é o tipo que deixa você desconfiando até das suas próprias memórias.