Dezembro chega todo ano com a mesma promessa falsa: confraternizações obrigatórias, comida fria servida em bandeja de alumínio e aquela sensação coletiva de que ninguém ali gostaria realmente de estar ali. Enquanto empresas insistem que troca de presente é sinônimo de afeto, meus gatos seguem sendo os únicos seres vivos que realmente merecem qualquer mimo e provavelmente concordariam comigo.
É nesse clima de esgotamento social, fim de ano e vontade de desaparecer por uns dias que Hide, de Kiersten White, cai como uma luva. Um livro sobre pessoas que literalmente entram em um jogo de esconde-esconde para fugir de suas vidas, disputando um prêmio em dinheiro em um parque de diversões abandonado. Difícil pensar em algo mais adequado para fechar o ano do que uma história que transforma o desejo de sumir em estratégia de sobrevivência.
Publicado como o primeiro romance adulto de horror da autora, Hide entrega exatamente o que promete na superfície e muito mais do que se espera quando se passa da sinopse.
Um jogo simples demais para dar certo
A proposta é direta: quatorze pessoas são convidadas a participar de uma competição de esconde-esconde em um parque de diversões abandonado. Elas precisam sobreviver por sete dias sem serem encontradas. O prêmio é dinheiro suficiente para mudar suas vidas.
Mack, a protagonista, acredita que tem vantagem. Esconder-se sempre foi sua forma de existir no mundo. Sobreviver sem ser vista foi o que a manteve viva no passado ao contrário de sua família. Para ela, a regra é clara: não criar laços, não confiar em ninguém, não chamar atenção.
Mas conforme os dias passam e os competidores começam a desaparecer, fica evidente que o jogo nunca foi apenas sobre se esconder. Há algo errado no parque, nos organizadores e nas regras silenciosas que ninguém explicou completamente.
Embora Mack seja o eixo da narrativa, Hide não se limita a um único ponto de vista. O livro acompanha diversos competidores, revelando fragmentos de suas histórias aos poucos. São pessoas quebradas, endividadas, traumatizadas ou simplesmente desesperadas o suficiente para aceitar uma proposta claramente absurda.
Alguns personagens ganham destaque emocional, como LeGrand, movido pelo desejo de proteger a irmã, ou Ava e Brandon, que funcionam como âncoras humanas em meio ao caos. Nem todos são profundamente desenvolvidos e isso funciona a favor da história. Em um jogo onde desaparecer é literal, nem todo mundo pode ocupar o mesmo espaço narrativo.
O crescimento de Mack é um dos pontos mais fortes do livro. Sua resistência em se conectar começa a ruir à medida que o horror exige algo além da autopreservação. Hide entende que sobreviver sozinho nem sempre é suficiente.
Horror, crítica social e raiva bem direcionada
O livro pode até se apresentar como um thriller, mas rapidamente se assume como horror. Há violência, gore e elementos sobrenaturais que surgem de forma gradual, sem aviso prévio. Kiersten White constrói o medo não apenas pelo que aparece, mas pelo que está estruturalmente errado naquele mundo.
Existe uma crítica clara aos sistemas de poder que colocam pessoas vulneráveis em situações extremas sob o pretexto de “oportunidade”. Os organizadores do jogo são o retrato da irresponsabilidade travestida de racionalidade. Eles acreditam estar certos, enquanto causam danos irreversíveis e o livro nunca pede que o leitor simpatize com isso.
Essa raiva é parte da força de Hide. O horror aqui não vem só do parque ou do sobrenatural, mas da ideia de que sofrimento pode ser transformado em entretenimento desde que alguém esteja lucrando com isso.
A escrita de Kiersten White é direta, visual e eficiente, criando uma atmosfera claustrofóbica mesmo em espaços teoricamente abertos. O parque abandonado se transforma em um labirinto emocional e físico, onde cada escolha tem peso.
O ritmo é rápido, especialmente após o prólogo, e a tensão se mantém até o final. Ainda que alguns leitores possam sentir falta de mais aprofundamento em certos personagens, o foco narrativo nunca se perde. A história sabe exatamente onde quer chegar.
No fundo, Hide é menos sobre se esconder e mais sobre o custo de viver invisível. É uma história sobre trauma, sobrevivência e o risco necessário, de confiar em alguém quando tudo diz para fugir. Kiersten White entrega um horror que funciona tanto como entretenimento quanto como comentário social.
Um livro que entende o medo, mas também entende a necessidade de esperança, mesmo nos cenários mais improváveis.