Existem livros que a gente lê na hora certa, e outros que nos pegam completamente desprevenidos. Garotas em Chamas, de C.J. Tudor, me marcou pela primeira vez durante um expediente normal, daqueles em que o dia parece nunca acabar. Abri “só para ver como era” e quando percebi já estava completamente imersa na história, tentando disfarçar o entusiasmo enquanto respondia e-mails.
Agora, anos depois, resolvi reler e descobri que lembrava muito mais do clima do que dos detalhes. Sabia que o livro era tenso, sabia das aparições flamejantes e lembrava da sensação de desconforto, mas quase nada do enredo em si. O que acabou sendo ótimo: pude reencontrar a história com olhos novos, mas sem perder aquele impacto da primeira vez.
E sim: Garotas em Chamas continua funcionando incrivelmente bem.
Um vilarejo cheio de segredos
A trama acompanha Jack Brooks, uma vigária que chega com a filha, Flo, ao vilarejo de Chapel Croft. A comunidade é marcada por um passado complicado: protestantes queimados vivos séculos antes, duas adolescentes desaparecidas nos anos 90 e um pastor morto recentemente.
É aquele tipo de cidade pequena em que todo mundo se conhece e todo mundo sabe um pouco mais do que diz. A autora cria esse ambiente com naturalidade: quanto mais Jack tenta se adaptar, mais fica claro que há histórias mal resolvidas circulando por ali e que algumas pessoas preferem que continue tudo em silêncio.
O ponto forte do livro é a relação entre Jack e Flo. As duas têm suas falhas, suas mágoas e suas manias, mas são muito reais. Não é uma relação perfeita, e exatamente por isso ela é tão interessante de acompanhar.
Flo é curiosa, observadora, e acaba se metendo em situações que dão ritmo ao mistério. Jack é prática, direta, impaciente, mas bem-intencionada. As duas carregam seus próprios traumas e é isso que as torna tão boas protagonistas de um thriller.
Entre o sobrenatural e o real
Algo que C.J. Tudor faz muito bem é manter o leitor na dúvida. As visões das “garotas em chamas” podem ser sobrenaturais… ou não. As histórias antigas podem ser folclore… ou podem esconder algo muito mais concreto.
O suspense cresce devagar, mas de forma constante. E quando a investigação sobre o desaparecimento das garotas e a história da cidade finalmente engrena, tudo começa a se conectar de modo rápido e convincente. O final entrega explicações sólidas, com um bom equilíbrio entre emoção e tensão.
Se você gosta de histórias que parecem normais demais até deixarem de ser, esse é o tipo de terror ideal. Não exige pressa, não exige suspensão total de descrença e não depende de reviravoltas absurdas. Ele cresce aos poucos, planta suas sementes devagar, deixa a leitura desconfortável da maneira certa. Quando chegam os últimos capítulos, tudo faz sentido, não de forma óbvia, mas de forma coerente. É uma história que sabe o que quer entregar e entrega bem.
Reler Garotas em Chamas me fez perceber como C.J. Tudor organiza suas histórias com precisão. Mesmo sabendo parte do que viria, a trama não perdeu força. Chapel Croft continua um lugar intrigante, desconfortável e cheio de camadas.
O livro mistura drama familiar, segredos de cidade pequena, investigação e um toque de sobrenatural que nunca vira exagero. É um thriller muito bem executado, direto, tenso e envolvente.