Eu juro que, se alguém puxar meu histórico recente de resenhas, vai achar que eu estou presa em um looping temporal. Acho que já faz umas dez colunas seguidas que começo dizendo que o ano está acabando, que o clima é de encerramento, que o final de ano está logo ali e ele simplesmente não chega nunca. Ele se arrasta, se estica, reaparece quando você acha que acabou e exige mais energia do que qualquer janeiro jamais exigiu.
Mas agora é oficial. Esta é a última resenha de 2025. Demorou? Demorou. Chegou? Chegou. E quanto a metas para 2026, prefiro nem tocar no assunto. Todas as metas de 2025 foram solenemente esquecidas por volta de março, então o plano agora é simples: não ter plano nenhum. O que vier de bom é lucro.
Dito isso, chega de enrolação. Vamos falar de Imagens Estranhas, do escritor japonês Uketsu, publicado no Brasil pela Editora Suma, um livro que combina mistério, assassinatos e desenhos perturbadores.
Um mistério que começa olhando para imagens
Imagens Estranhas se apresenta desde a primeira página como algo diferente. Não é apenas um romance de mistério ou um thriller psicológico tradicional. Aqui, imagens não são enfeite nem recurso estilístico: elas são parte central da narrativa. Desenhos infantis, esboços aparentemente banais, rabiscos que parecem inofensivos e tudo isso funciona como pista.
A história se estende por diferentes décadas e acompanha múltiplos personagens, começando com a descoberta de um blog misterioso repleto de imagens enigmáticas e uma última postagem inquietante. A partir daí, o leitor é jogado em uma narrativa fragmentada, que alterna linhas do tempo e apresenta uma sequência de assassinatos que, aos poucos, vão se conectando de forma nada óbvia.
No centro desse quebra-cabeça está a figura de Uketsu, um autor que também parece saído de um livro de terror. Totalmente anônimo, sempre aparecendo de máscara branca e roupas pretas, ele construiu sua carreira inicialmente no YouTube, criando histórias baseadas em plantas de casas e outros elementos visuais pouco usuais. Esse gosto pelo estranho e pelo visual se traduz diretamente em Imagens Estranhas, onde não existiria história sem os desenhos.
Ler também é investigar (ou fingir que é)
Um dos maiores acertos do livro é fazer o leitor se sentir parte da investigação. Logo no início, somos apresentados à ideia de que imagens podem revelar segredos ocultos sobre quem as produziu: emoções, traumas, intenções. Isso muda completamente a forma como se lê a história. Cada desenho vira algo a ser analisado, ampliado mentalmente, desconfiado.
Na prática, porém, o livro não exige que você resolva tudo sozinho. Muitas vezes, o leitor percebe algo estranho antes dos personagens, mas a resolução final quase sempre vem pelas mãos deles. Ainda assim, existe prazer em tentar chegar antes, em desconfiar, em achar que entendeu mesmo quando o livro prova que você não entendeu nada.
A narrativa não linear pode parecer confusa no começo, os capítulos funcionam quase como histórias independentes, o que dá a sensação inicial de estar lendo uma coletânea. Aos poucos, porém, as conexões começam a aparecer, e quando tudo se encaixa, o efeito é extremamente satisfatório, mesmo que algumas soluções exijam uma boa dose de suspensão de descrença.
Quem procura um romance centrado em personagens profundos e detalhadamente construídos talvez não goste muito de Imagens Estranhas. Aqui, as figuras humanas funcionam mais como peças de um mecanismo maior: elas existem para revelar pistas, conectar eventos e mover a trama adiante. Isso não significa que o livro seja emocionalmente vazio. Pelo contrário. Em vários momentos, Uketsu surpreende ao inserir subtramas extremamente tristes e tocantes, muitas vezes resolvidas no espaço de um único capítulo. O impacto vem justamente da economia: não há preparação excessiva, nem melodrama. A dor aparece, se impõe e segue adiante.
Temas como abuso infantil, violência doméstica, maternidade, trauma e as marcas que a infância deixa na vida adulta atravessam toda a narrativa. Mesmo quando a escrita é seca, quase clínica, essas questões permanecem ali, desconfortáveis e insistentes.
Horror, mistério ou experimento?
Apesar de ser vendido como horror, Imagens Estranhas se aproxima mais do mistério criminal, com pitadas de suspense psicológico. O medo aqui não vem de sustos ou do sobrenatural explícito, mas da ideia de que o horror pode estar escondido em algo cotidiano como um desenho de criança, uma imagem mal interpretada ou um detalhe ignorado.
O livro também flerta com o excesso. Algumas explicações são longas demais, certas conexões parecem forçadas e há momentos em que o texto soa quase didático, como se tivesse medo de perder o leitor. Ainda assim, isso não anula o efeito geral. A experiência continua sendo única, estranha e difícil de esquecer.
Imagens Estranhas não é um livro perfeito, nem tenta ser. Ele é, acima de tudo, um experimento narrativo que funciona justamente por assumir seus riscos. Não é literatura contemplativa, nem um estudo profundo de personagens. É um jogo de pistas, imagens e desconfortos que se fecha de maneira inteligente.
Para quem gosta de mistérios não convencionais, narrativas fragmentadas e histórias que exigem atenção e um pouco de paciência, é uma leitura altamente recomendada.
Especialmente para encerrar o ano com a sensação de que, sim, ainda dá para ser surpreendido!