Último sábado de novembro tem clima de despedida do ano, luz piscando no vizinho, playlists natalinas indecisas, aquela sensação de que falta pouco para todo mundo coletivamente assumir o espírito de “deixa para janeiro” e daqui a pouco vai passar o caminhão da Coca-Cola e decretar oficialmente a temporada de comer sem culpa. Claro, nada combina mais com esse cenário caótico e aconchegante do que um bom thriller de vizinhança.
Publicada pela Editora Intrínseca, a nova obra de Riley Sager me pegou logo de início. Eu já tinha jurado que este seria “o último dele por um tempo” caso não gostasse, mas felizmente não precisei cumprir a promessa.
Porque No Meio da Noite entrega exatamente aquilo que nós amamos: nostalgia suburbana dos anos 90, atmosfera densa, trauma mal resolvido e um mistério que parece se mover quando você não está olhando.
Um desaparecimento que nunca fechou as feridas
A premissa é instantaneamente instigante: em 1994, dois garotos de dez anos dormem numa barraca no quintal. Na manhã seguinte, um deles, Billy Barringer, desaparece e não há nenhum corpo, nenhuma testemunha, nenhuma resposta. Ethan Marsh, o garoto que ficou para trás, cresce carregando um peso que nenhuma criança deveria carregar: o de ter acordado vivo.
Três décadas depois, ele volta a Hemlock Circle, o cul-de-sac idílico que nunca mais foi o mesmo, e percebe que a ausência de Billy ainda está por toda parte. Nos vizinhos envelhecidos. Nas casas que não mudaram. Nos barulhos noturnos que ele insiste em ouvir e no sonho, ou pesadelo, recorrente que sempre termina com um som de tecido se rasgando.
Uma das coisas que mais gostei é como Sager constrói a história tijolo por tijolo, sem pressa. A primeira metade é puro clima:
- memórias fragmentadas,
- vizinhos suspeitos,
- silêncios desconfortáveis,
- e uma sensação constante de que alguém está observando.
Se você curte thrillers que dependem de atmosfera, e não de susto atrás de susto, essa será sua parte favorita. Para mim, foi ótimo acompanhar Ethan revisitando as casas, os rostos, as versões não contadas daquela noite e quando elementos aparentemente paranormais surgem, a narrativa fica ainda mais instigante. Aqui, Sager brinca com o limite entre memória, trauma e alucinação e faz isso de forma muito mais orgânica do que em alguns livros anteriores.
As últimas cem páginas…
Se a primeira metade é sobre construção, a última é queda livre. Tudo acontece de uma vez, revelações, confirmações, momentos de “ahá!”, momentos de “como assim???” e duas reviravoltas que realmente me pegaram de surpresa (e olha que eu sempre tento adivinhar antes).
A investigação de Ethan o leva a lugares que ele, criança, jamais teria imaginado e as respostas… bem, são tão chocantes quanto satisfatórias. É raro um thriller terminar bem e esse termina muito bem.
No Meio da Noite também funciona como uma história sobre amadurecimento tardio. É sobre voltar para casa depois de muito tempo e descobrir que a casa não ficou esperando por você, sobre confrontar uma versão de si mesmo que ficou presa numa noite de verão e é sobre como as comunidades aparentemente perfeitas sempre têm rachaduras.
Gostei da mistura de thriller doméstico, mistério policial, toques paranormais e nostalgia e adorei como o livro equilibra tudo isso com um tom emocional inesperado.
Se você é fã de histórias sobre desaparecimentos, memórias falhas, cul-de-sac sinistros e segredos enterrados em bairros que parecem normais demais… pode ir sem medo.
Riley Sager acertou.