A semana foi humilhante.
Existem várias formas de perceber que a semana começou errada. Às vezes é o despertador que não toca. Às vezes é o café que acaba. No meu caso, foi o notebook decidindo morrer sem aviso prévio, como um personagem secundário em filme de terror: rápido, injusto e no pior momento possível. O orçamento foi junto, o bom humor também, e o parcelamento virou uma necessidade emocional.
Diante desse cenário, só restava uma saída madura e responsável: ignorar tudo por algumas horas e ler um livro. Mais especificamente, The Final Girl Support Group, do Grady Hendrix, que chega ao Brasil pela Editora Intrínseca em pré-venda com o título O Grupo de Apoio para Garotas Finais. Não resolveu absolutamente nenhum problema da minha vida adulta, mas entregou algo igualmente importante: a sensação reconfortante de que, por mais caótico que esteja o meu dia, sempre existe alguém lidando com um massacre em série e ainda pagando terapia por isso.
Quando o Terror Não Fica Só no Cinema
Grady Hendrix parte de uma ideia brilhante e absurdamente simples: e se as “final girls” dos filmes de terror realmente existissem? Não como personagens, mas como mulheres reais que sobreviveram a massacres, viraram inspiração para franquias de sucesso e agora precisam lidar com as consequências psicológicas disso tudo.
No universo do livro, o assassinato em massa não é um conceito cinematográfico distante. Ele aconteceu de verdade. E depois virou entretenimento. As sobreviventes se reúnem há anos em sessões de terapia em grupo, tentando lidar com traumas que o público consome como diversão de sexta-feira à noite.
É nesse cenário que conhecemos Lynette Tarkington, a narradora da história. Diferente das outras integrantes do grupo, ela nunca matou seu algoz. Isso a coloca em um limbo constante: ela sobreviveu, mas nunca se sentiu segura de verdade. Lynette vive em estado permanente de alerta, observando cada movimento ao redor, esperando o momento em que tudo vai dar errado outra vez.
E, claro, dá.
Quando uma das integrantes do grupo desaparece e outra é assassinada, fica claro que alguém está caçando final girls novamente. A partir daí, o livro se transforma em uma corrida paranoica, intercalando o presente com fragmentos do passado das sobreviventes e uma quantidade impressionante de materiais “extras”.
Hendrix brinca com o formato de maneira deliciosa. Entre os capítulos, surgem recortes de jornal, entrevistas, textos acadêmicos fictícios, materiais promocionais de filmes e críticas cinematográficas. Tudo inventado. Tudo incrivelmente convincente. É o tipo de coisa que faz você esquecer, por alguns segundos, que aquilo não existe fora do livro.
Esse recurso não é só estético. Ele reforça a ideia central da história: como o horror real é embalado, vendido, consumido e esvaziado de humanidade. O trauma vira franquia. A sobrevivente vira personagem. E a dor vira entretenimento.
Lynette Tarkington
Lynette é uma protagonista complicada. Ela é paranoica, socialmente inadequada, exagerada, muitas vezes irritante. Em vários momentos, dá vontade de pedir para ela respirar fundo e tomar decisões minimamente racionais. E ainda assim, é impossível não torcer por ela.
Grady Hendrix constrói Lynette como alguém que não está interessada apenas em sobreviver, mas em viver, algo que ela claramente não faz há anos. Sua obsessão por segurança, rotinas e previsibilidade é compreensível, ainda que sufocante. Quanto mais o livro avança, mais fica claro que o verdadeiro terror não é o assassino, mas a vida congelada que ela leva desde a adolescência.
Mesmo quando o livro exagera, Lynette sustenta a narrativa. Ela é o coração disfuncional dessa história.
Uma Carta de Amor Aos Slashers
O Grupo de Apoio para Garotas Finais é, acima de tudo, uma grande homenagem aos slashers dos anos 70, 80 e 90. As referências estão por toda parte, de acampamentos que lembram Crystal Lake a assassinos mascarados e perseguições que parecem saídas direto de VHS empoeirado.
Ao mesmo tempo, Hendrix não romantiza esse universo. Ele ironiza, exagera e escancara o absurdo da fama construída em cima de tragédias pessoais. O livro entende perfeitamente o gênero que está celebrando e também sabe rir dele.
Curiosamente, apesar do título e da proposta, o livro funciona mais como um thriller do que como um slasher puro. O mistério, as reviravoltas e a paranoia ocupam mais espaço do que as cenas de violência explícita, embora elas existam e sejam bem descritas quando aparecem.
Nem tudo funciona o tempo todo. Em alguns momentos, é difícil acreditar que essas mulheres têm a idade que o livro diz que elas têm. Algumas decisões são absurdas até mesmo para os padrões do gênero. Há uma cena específica envolvendo uma personagem secundária que passa do limite do aceitável e beira o mau gosto.
Ainda assim, o saldo é extremamente positivo.
Grady Hendrix sabe exatamente o livro que está escrevendo. Ele abraça o exagero, pede suspensão de descrença e entrega uma leitura afiada, engraçada, tensa e cheia de personalidade. O Grupo de Apoio para Garotas Finais é um slasher autoconsciente que entende o trauma por trás do entretenimento e consegue ser crítico sem perder o prazer da leitura.