Se me perguntassem em um primeiro momento o que as séries The Last of Us e Uma Família Perfeita, disponíveis nos serviços de streaming da Max e Disney+ respectivamente, têm em comum, logo de cara eu responderia que ABSOLUTAMENTE NADA.
A primeira se trata de algo pós apocalíptico, baseado em um jogo já consagrado e o segundo é baseado em fatos reais, contando (e dramatizando também) a história de Natalia Grace e a família Barnett.
Parecem histórias totalmente opostas uma da outra, não é mesmo? Mas se analisarmos um pouco mais, vamos ver que ambas possuem uma semelhança: As narrativas que tentam nos fazer tomar partido pela forma como abordam a história.
Toda moeda possui dois lados
Você já deve ter ouvido esse tipo de frase em algum lugar (ou algo semelhante a isso): de que toda moeda possui dois lados, e ambas as séries se utilizam disto para construir suas narrativas e eu vou explicar melhor.
Vamos começar pela narrativa de “Uma Família Perfeita”, que já está completa. Os primeiros três episódios são construídos a partir da visão da família Barnett, especificamente de Kristine e Michael que adotam Natalia, uma criança com nanismo e que tem problemas de personalidade, pior ainda, os primeiros episódios nos fazem acreditar que os Barnetts se tornaram vítimas de um golpe e acabaram colocando uma sociopata dentro de sua casa, inclusive fazendo com que Kristine desacredite da idade que Natalia possui, pensando se tratar de uma adulta se passando por criança (No estilo “A Orfã, que inclusive é citado pela matriarca dos Barnett), e durante algum tempo nos fazem compadecer da família. Até mesmo quando o lado de Natalia passa a ser apresentado, passamos a fazer questionamentos durante um tempo sobre sua personalidade e resistimos por um período a acreditar no “outro lado da moeda”, a narrativa abusa do envolvimento emocional pra nos colocar em xeque sobre em quem realmente acreditar e dependendo do prisma que o espectador resolver observar, vai terminar a série ainda em dúvidas.

Em “The Last of Us” isso é ainda mais profundo, pois temos uma temporada inteira construída para termos apego aos personagens, especialmente Joel, e desta forma validarmos o seu comportamento, suas atitudes e tratamos sua ação ao tirar Ellie da mesa de cirurgia como um ato heroico, mas lembre-se caro leitor que este texto trata sobre narrativas com dois lados. Diferentemente do que acontece no jogo, onde as motivações de Abby são ocultas até a metade da narrativa (o que nos faz validar ainda mais as ações do outro lado), aqui na série ela já deixa claro que veio em busca de vingança, pois viu sua vida ruir e muitas pessoas próximas e ela serem tiradas, devido ao “ato heroico” de Joel e mesmo assim, nos ressentimos de apoia-la, pois a narrativa já nos interligou aos protagonistas.

A mágica das narrativas e no que queremos acreditar
O ponto que eu queria chegar, abordando tudo isso, é o poder que as narrativas possuem, e o quanto histórias bem construídas podem nos fazer questionar diversos pontos morais e éticos, nos fazem “passar pano” para personagens que nos apegamos, e como roteiristas e diretores podem conduzir e mudar percepções em pequenos detalhes. Utilizei estas duas séries – que são recentes – e estão em evidência, mas dentro da cultura pop existem diversos outros exemplos de personagens e narrativas que trazem esse ponto ético à tona, ou você vai me dizer que nunca se compadeceu de Anakin/Vader? Que ao assistir o Coringa de Joaquin Phoenix (o primeiro obviamente), você não parou para pensar que em certos momentos o personagem teve apenas uma reação natural ao meio ao qual estava exposto? E talvez o exemplo recente mais significativo: quem foi que não deu uma pontinha de razão para o Thanos? E este universo de jogos, filmes e séries abre prerrogativas, de expor e liberar opiniões e sentimentos que moralmente (ou até mesmo legalmente) não temos coragem de externar.

Mas e você caro leitor, acredita no poder das narrativas?
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