Guardiã é uma personagem da série Supergirl que ganhou destaque em um dos episódios da última temporada da produção. Seu nome civil é Kelly Olsen, interpretada por Azie Tesfai. Neste texto, surgido a partir de observações pessoais, buscamos analisar o episódio 6×12 , intitulado Blind Spots (Pontos Cegos em tradução), protagonizado e roteirizado por Azie. Antes de tudo, salientamos que tínhamos como intuito verificar como o episódio da série incorporava questões raciais em sua narrativa. Além disso, destacamos especialmente as tensões geradas pelo assassinato de George Floyd (2020).
Quando a existência vira resistência: análise do episódio “Pontos Cegos”
O episódio oferece três abordagens principais: a vulnerabilidade social da população, os tensionamentos em torno da morte de George Floyd e as reivindicações por mudanças sociais, que culminam com o surgimento de uma nova heroína.
Inicialmente podemos citar o significado implícito no próprio título Pontos Cegos. O título sugere a existência de questões sociais, que muitas vezes ou as pessoas ignoram ou não percebem. Tal abordagem evoca importantes reflexões, especialmente no que diz respeito ao movimento negro e à luta por visibilidade e justiça social.
Alerta: Oxigênio Baixo
O episódio faz referência ao assassinato de George Floyd, um homem negro morto por policiais em uma abordagem violenta. O corrido desencadeou protestos globais liderados pelo movimento “Black Lives Matter”. Um dos slogans mais potentes do movimento era “I can’t breathe” (“Eu não consigo respirar”), as últimas palavras de George Floyd . A narrativa ecoa diretamente essa frase, especialmente na cena da implosão do prédio Ormphell, que abriga pessoas vulneráveis em uma comunidade negra, tragédia que ocorre no início do episódio.
Durante o desastre, muitos moradores se ferem ou inalam a poeira dos destroços, incluindo Joey, um menino que repete várias vezes “Não consigo respirar”.
Os Pontos Cegos
A desigualdade ganha destaque por meio da figura da antagonista, a vereadora Jean Rankin, uma mulher branca interpretada por Kari Matchett. Ela também se fere durante o desmoronamento do prédio, mas sua condição de saúde, em contraste com a de outros moradores da comunidade negra, evidencia a diferença no acesso a cuidados médicos e outros recursos. Além disso, ela ganha poderes com a ocasião, tornando-se capaz de sugar a força vital das pessoas da comunidade, algo também metafórico e literal.
Ao longo de seus 40 e poucos minutos, o título Pontos Cegos fica em evidencia, especialmente em uma conversa crucial entre Kelly Olsen e a Supergirl. Nesse momento, Kelly confronta a heroína, afirmando que, apesar de ser a mulher mais poderosa da Terra, a Supergirl não pode proteger a todos. Ela ainda afirma que essa luta não fazia parte de sua realidade. Por não ter as mesmas experiências pessoais, a Supergirl e o grupo principal de heróis não enxerga ou não compreende completamente as dores e as reivindicações de Kelly, profundamente ligadas à sua identidade enquanto mulher negra.
Guardiã: uma heroína pelo povo
Quando vemos Kelly Olsen, utilizando pela primeira vez um traje improvisado de Guardiã, percebemos um ponto de virada para a personagem. Ela intervém para proteger um jovem negro que está sendo atacado por seguranças brancos da vilã. O enquadramento da sequência, que ocorre aos 18:38 minutos, destaca Kelly surgindo com um escudo para defender o jovem enquanto jornalistas filmam o ocorrido ao fundo. Esse momento é carregado de simbolismo, sugerindo que Kelly, como Guardiã, a partir dali, assumiu o papel de protetora da comunidade negra.
Deste momento em diante, ela servirá como um escudo, tanto figurativo quanto literal, para aqueles que são negligenciados e vulneráveis.
Eu quero ser uma defensora daqueles que perderam a esperança, que foram abandonados por quem devia protegê-los, de todos aqueles que não têm um herói que se pareça com eles, proteger os exaustos, para que eles não tenham que lutar sozinhos todos os dias. (…) Enquanto vocês têm o luxo de focar no amanhã, eles mal estão sobrevivendo ao hoje
“Nos deixem respirar!”; “Nos vejam e nos escutem!”; “Estamos cansados.”
Ao analisarmos o episódio percebemos que ele se apresenta como uma forte denúncia das desigualdades enfrentadas pela população negra e utiliza como ponto de partida a frase “Eu não consigo respirar” por muitas vezes destacada dentro e fora das telas. Além disso, com personagens negros como protagonistas e vítimas dos acontecimentos da narrativa, ele revela a invisibilidade dessa parcela da população para aqueles que não têm uma conexão direta com essas experiências. Assim, a trama destaca a necessidade de uma maior conscientização e empatia em relação às lutas enfrentadas por comunidades marginalizadas. Se fossemos resumir tudo que a história nos conta, diríamos que queremos respirar, queremos quem nos veja e nos escute e assim como a Guardiã, estamos cansados de lutarmos sozinhos.
Uma esperança aos que se aprecem comigo
Kara Danvers ao priorizar capturar sua inimiga, em vez de ajudar diretamente as vítimas do desabamento evidencia a falta de urgência e empatia por parte dos heróis em relação às lutas da população negra, como afirma Jelly Olsen em diálogo com seu irmão.
Oi Jimmy, sou eu. Eu estou em um hospital no Heigths. Houve uma explosão. As pessoas vão morrer e é como se ninguém se importasse, como se a vida deles não valesse nada. Precisava desabafar com alguém e sabia que iria entender. Eu estou bem…é só que…eu não sei como você conseguiu, porque já estou cansada demais (choro). Estou exausta. Parece que não consigo fazer ninguém ver o problema real. É como se estivessem concentrados neles mesmos. Eu me sinto muito impotente, todos aqui estão impotentes
A frase “seja uma heroína pelo povo e não para o povo”, encapsula essa ideia, reforçando que o papel da Guardiã não é apenas salvar vidas, mas atuar como uma defensora real e visível das causas que afetam diretamente sua comunidade. Isso contrasta com a abordagem de outros heróis brancos, que, embora bem-intencionados, muitas vezes não compreendem plenamente as complexidades das opressões que os negros enfrentam. Além disso, essa mensagem do episódio vai além da ficção, espelhando reivindicações reais sobre liderança, empatia e responsabilidade comunitária na luta contra o racismo estrutural.
Este texto foi publicado originalmente na forma de artigo científico em 2023 e você confere na íntegra AQUI.