A HBO divulgou recentemente parte do elenco da série Harry Potter e a decisão de escalar Paapa Essiedu para o papel de Severo Snape na nova adaptação é corajosa e necessária, mas também exige cuidado. A escolha pode abrir espaço para uma representação mais diversa dentro de um universo que, até então, foi amplamente dominado por personagens brancos. No entanto, ela também carrega um risco: o de repetir padrões narrativos problemáticos sem perceber.

Nos livros, Snape é um personagem complexo, marcado por ambiguidades morais, traumas e atitudes muitas vezes questionáveis. Ele é, ao longo da série, alvo de implicância dos Marotos durante sua juventude, e posteriormente também do trio principal — Harry, Rony e Hermione. Embora o personagem tenha seus momentos sombrios, grande parte dessa desconfiança se revela infundada, sendo baseada em julgamentos superficiais e preconceitos pessoais.

Quando essa desconfiança se dirige, logo de cara, a um homem negro, o contexto muda. Um olhar crítico pode enxergar aí a reprodução de um estereótipo: o do homem negro visto como ameaça. É por isso que o roteiro da série deve ser sensível ao adaptar essas relações, especialmente no início da história, quando retrata Snape como uma figura vilanesca e desconfiável.

A polêmica não é recente e nem é exclusiva da HBO

É importante lembrar que os livros de J.K. Rowling especificam Severo Snape como um homem alto, magro de pele pálida e cabelos escuros e o que conhecemos dele visualmente veio da interpretação de Alan Rickman (1946- 2016). Neste caso há uma troca de etnia, mas não a única envolvendo o universo de Harry Potter e nem a única a causar polêmica. A autora da saga já defendeu, em outra ocasião, a escalação de Noma Dumenzweni para o papel de Hermione na peça Harry Potter e a Criança Amaldiçoada, dizendo que em nenhum momento descreveu a personagem como branca. Porém, o mesmo não ocorre aqui, Snape tem suas características físicas detalhadas, o que pode se desenrolar em uma adaptação do roteiro.

Deve-se ter responsabilidade

Diversidade importa, e representatividade também. Mas ela deve vir acompanhada de responsabilidade. Um ator negro como Snape pode oferecer novas camadas ao personagem e até reforçar sua condição de marginalizado como alguém constantemente julgado e excluído. Mas para isso dar certo, o roteiro precisa estar atento, precisa entender o peso simbólico dessa escolha e tratá-la com o devido cuidado. É fundamental que a produção da série trate essas decisões com a seriedade que elas exigem, que a HBO saiba disso.