Sandlad, Beelzebub olhando para frente junto a Rao e Thief

Sand Land: a desamornia por meio de cisões

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Sand Land é um obra originária do mangá de mesmo nome do autor Akira Toriyama, o lendário criador de Dragon Ball. Após quase 24 anos após o lançamento do mangá, este foi adaptado para duas diferentes mídias, foi produzido o anime e mais recentemente o jogo da obra. Esta crítica é relativa ao jogo, que foi produzido pela ILCA, estúdio japonês que tem uma grande história em diferentes jogos, eles fizeram parte da produção do Nier Automata, Nier Replicant, Code Vein e mais recentemente One Piece Odyssey.

A proposta da obra é ser um jogo de aventura contando com o Beelzebub como protagonista. O príncipe dos demônios reside junto ao seu pai Lúcifer em uma vila na nação de Sand Land, um deserto infindo que guarda tanto perigos como conspirações. A obra ainda apresenta uma mapa de mundo aberto com diferentes regiões e pontos de interesses espalhados que invariavelmente evocam a exploração como o elemento subsequente, infelizmente esta exploração é desleixada e pouco recompensadora. Está presente também elementos de RPG para dar sentido a uma progressão para além da história, algo comum em qualquer jogo de mundo aberto da atualidade.

A história é dividida em dois arcos, o primeiro representa a história original do mangá, este apresenta Beelzebub, um demônio criança com apenas 2500 anos de idade, que está inserido no cenário junto aos outros demônios e aos humanos. Neste ambiente há uma grande escassez de água, a fim de resolver este problema o xerife humano Rao propõe ao príncipe dos demônios e Thief, o demônio ladrão, uma jornada para encontrar uma fonte de água secreta, desta forma começa a história de Sand Land que envolve conspirações, traições e segredos. O segundo arco da obra expande o universo criado por Akira Toriyama, a introdução do arco deixa claro a quebra entre a primeira parte da história e a segunda. Este segundo arco está presente no anime que foi finalizado recentemente porém não existe esta história no mangá, a nova proposta expande as relações dos demônios, as fronteiras do mundo conhecido até então e a própria noção de poder que esteve presente neste universo até então.

Ainda sobre a história, o que foi apresentado é intrigante. É percebido facilmente a cisão entre elas, não somente no estilo mas no funcionamento e na dinâmica da narrativa. O primeiro arco é direto, o objetivo é claro e ele é perseguido até o final, há revelações e plots mas eles não desviam a história de forma drástica, somente aguçam as motivações já existentes. Por isso não há enrolação para  com os acontecimentos, a obra não atravessa muitos meandros para ser concluída, exatamente igual ao mangá. Já o segundo arco é mais longo, melhor trabalho até, ele é conduzido pelos mínimos detalhes na forma de contar sua história, há muitas reviravoltas, novos problemas e pretextos que vão aumentando a complexidade da narrativa e criam novos obstáculos a serem superados. O problema disto é que esse aumento da obra não parece ser natural, a sensação é de algo artificial que está ali para aumentar o tamanho da obra como um todo, um exemplo clássico é a necessidade recorrente de invadir bases militares, isto ocorre diversas vezes no segundo arco e muitas vezes com pretextos idiotas.

O lado positivo dessa história desenvolvida exacerbadamente no segundo arco é o aprofundamento das personagens que ocorre na segunda metade da obra. O primeiro momento da obra, que é o primeiro arco, por ser direto, apresenta um desenvolvimento aquém dos personagens, tanto principais quanto secundários. Isto não ocorre na segunda metade com um trabalho pormenorizado dos desenvolvedores. A ideia que a falta de desenvolvimento dessas personagens na história “original” passa, é a necessidade de certo “respeito” pela obra original do Toriyama, assim seguindo exatamente os mesmos passos que o autor escreveu em seu mangá de apenas 14 capítulos.

Em relação às personagens, elas possuem o estilo característico que Toriyama empregou em seus personagens ao longo de sua carreira. O jeito brincalhão e uma pose padrão com as mãos na cintura são dados ao protagonista, há um ajudante mais sério que é o xerife Rao mas que cai na graça dos demônios e também há Thief um fiel ajudante com níveis equivalentes de covardia e fidelidade. Os personagens caricatos trazem a leveza comum à obra do autor, até mesmo os vilões tem os seus pitis característicos com aqueles grunhidos estridentes. Este arcabouço permite a criação de uma história nada conceitual que foge da realidade sem perder um senso de credibilidade. As decisões controversas das personagens com um pretexto chulo são relevadas a longo prazo, como por exemplo as decisões de Beelzebub no estilo “farei isso por que eu quero, não por que sou bom” na hora de ajudar algum npc com uma dificuldade. O estranhamento com esses artifícios fajutos de narrativa são melhor aceitos com o devido desenvolvimentos dos personagens.

A progressão da obra ocorre de diferentes formas. Como dito acima a progressão da história é mediana no primeiro arco e até exagerada no segundo com detalhes que aproximam bastante as personagens do jogador. Em relação a progressão de jogabilidade esta acontece por meio dos elementos de RPG, a evolução do Beelzebub desbloqueia uma árvore de habilidades com passivas e ativas para a progressão do personagem, não faz sentido pensar em build para o Beelzebub pois invariavelmente o jogador conquistará todos os nodos da árvore de habilidades do protagonista, o mesmo ocorre com os personagens secundários, eles também possuem um árvore de habilidades, porém as habilidades possíveis de serem equipadas são somente 4, criando a necessidade da escolha de um estilo de jogabilidade por parte do jogador. Ainda falando em progressão, essa talvez a mais desenvolvida na obra, é a progressão que envolve a criação e evolução dos diferentes veículos.

Os veículos em Sand Land são o principal elemento de jogabilidade que estão envolvidos na progressão, até pelo fato de serem os mais customizáveis e com maior variedade. Os diversos veículos são customizáveis com seus diversos armamentos disponíveis junto às partes únicas de motor, suspensão e os diferentes chips. Os armamentos podem ser evoluídos separadamente e caso alguns deles sejam de raridade superior ao raro(cor azul), eles têm modificações próprias em seus status, como a diminuição da velocidade de recarga ou o aumento da chance de crítico. Fato é que os diferentes veículos além de terem suas funções específicas como o pulabot que serve para pular em locais específicos, o aerobot para flutuar sobre a água ou a moto para correr mais rápido, ainda possuem uma customização que permite uma especialização a níveis profundos.

Ainda sobre os veículos, estes marcam a segunda cisão da obra. A cisão ocorre em relação a jogabilidade, um problema claro de Sand Land ocorre com sua variação entre o combate físico com a personagem de Beelzebub e o combate com veículos, que são a maior parte da obra. O combate entre os personagens é ruim, os movimentos de Beelzebub, é um combate padrão com combos de ataques leves e pesados nem um pouco interessante, ainda mais considerando que o jogador controla o príncipe dos demônios, até as habilidades especiais são desinteressantes. Além disso o combate entre os personagens é extremamente mais fácil que o combate entre os veículos, dificilmente o jogador conseguirá morrer no combate corpo a corpo, são raras as vezes que o jogador se encontrará em uma posição que precise utilizar uma poção de vida. Isto não ocorre com o combate entre os veículos, geralmente estes combates são mais complexos, possuindo inimigos com ataques que necessitam de mecânicas para desviar e se proteger de certos golpes, principalmente se considerarmos os chefes da obra. Definitivamente há uma cisão entre a dificuldade e complexidade entre os dois estilos de combate, uma é desinteressante, pouco customizável e até certo ponto bobo, o outro é divertido, apresenta um certo nível de dificuldade e exige um preparo para ser executado.

No que diz respeito à exploração, talvez este seja um dos maiores pecados da obra. O mapa gigantesco de Sand Land e do outro continente são muito pouco interessantes. Os diferentes pontos de interesses com cavernas, picos, ruínas e corridas atiçam pouco a vontade de exploração do jogador. Parte da culpa é do baixo nível de recompensa para essas tarefas e nenhuma ligação disto com o restante da obra, explorar não é necessário para vivenciar a história em nenhum momento. Talvez essa falta de ligação entre os elementos tornou este elemento uma coisa secundária, sem muita importância.

Esteticamente a obra é fiel aos desenhos de Akira Toriyama. O estilo de arte seguido é o mesmo, favorecendo a nostalgia e conquistando qualquer admirador do trabalho do mangaká logo de cara. O estilo clássico do autor foi empregado de forma brilhante, o que ajuda na leveza dos personagens e dá espaço para as ideias surrealistas que sempre rondam as obras do mestre.

Concluindo, Sand Land é uma obra única repartida em duas, vários elementos devem ser considerados de diferentes formas com sua presença no primeiro e no segundo arco. O problema é que esta é uma única obra, não há cisão em obras, elas precisam se comunicar e funcionar em conjunto e talvez este seja o problema de Sand Land. Há dois modelos de narrativa empregados que são destoantes o suficiente para dar um baque em relação a qualidade geral no momento de mudança de um arco para o outro. O segundo arco é melhor que o primeiro, porém não era para haver uma competição e sim uma integração entre eles, a integração não ocorre então o que resta é dividir para analisar. Se isto não bastasse, ainda há uma cisão de qualidade e conceito entre os estilos de combate, o combate entre personagens e entre veículos. Todas essas divisões tiram a harmonia da obra, esta desarmonia atrapalha na experiência ao consumir a obra do mestre Toriyama, fazendo com que os elementos estéticos, de desenvolvimentos dos personagens e tantos outros sejam afetados. Há duas soluções para ajustar esta desarmonia, ou os dois arcos seguiam a proposta direta característica do quadrinho de Toriyama, ou os duas partes seguiam o modelo proposto pela segunda metade da obra, apresentando um desenvolvimento pormenorizado em todos os aspectos. As duas abordagens sendo aplicadas juntas, definitivamente não funcionaram.

Sand Land é produzido pela ILCA(I Love Computer Art), para saber onde está disponível o jogo ou comprar produtos da obra basta acessar o site deles clicando aqui. Para ficar por dentro de notícias do mundo dos jogos fique atento à BlackCompany em Games.

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Luunyn

Luunyn

Professor, crítico e desenvolvedor de jogos. Jogos são a minha maior paixão, por isso os jogo, escrevo sobre eles e os faço, não existe um eu sem os jogos presentes.

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